O menino mais feio para o diabo.
Contava meu avô, no sertão do nordeste, mais precisamente no sul do Piauí, que um agricultor de pequenas posses sempre fora muito sonhador e ambicioso, sonhava um dia ficar rico e abandonar alquele lugar de secura, amargura e sofrimento. Enfim, poder de uma vez por todas dar a seus 17 filhos, todos ainda menores, uma vida digna e honesta.
Vivia inventando coisas para enriquecer e sair dali. Mas até aquele momento de sua miserável vida nada havia acontecido que lhe deixasse feliz.
Numa certa noite faltou-lhe a tapioca, alimento sagrado por estas bandas do sertão. E seu filho mais novo, de apenas 11 meses de vida, chorou por não haver com o que se alimentar e saciar a sua fome inquietante.
Neste momento, Juru, como era apelidado por seus companheiros de labuta, se desesperou e amaldiçoou a Deus com palvarões de baixo calão e se declarou sem fé e crendição em São Francisco e São João, os santos que davam nome a seus primeiros filhos e irmãos.
A comunidade ficou em povorosa com aquela situação. Se perguntavam que tipo de mazelas e maldições, aquelas maledicências poderiam trazer para o povoado.
Apavorado com a repercussão de sua atitude impensada decidiu-se de
uma vez, foi logo se retratando para sua esposa:
- Bem, já que estou condenado de um todo, vou então mergulhar com tudo na cabaça da escuridão.
Sua mulher o repreendeu:
- Deixa de falar asneira Juru, tu achas pouco o que fizera até aqui?
Ela já sabia, Juru iria inventar alguma coisa pra se safar ou piorar tudo de vez, era cabeça dura demais para ouvi-la.
Juru conhecia de vista uma feiticeira da beira do rio Parnaiba, que morava sozinha, mas sempre recebia visitas dos homens do povoado interessados, segundo eles, em "consultar o futuro".
Juru, receioso, pois esta era vítima de todo tipo de preconceito. O padre dizia que ela havia vendido a alma ao capa preta de olhos vermelhos, chifre amarelo e riso zombeteiro.
Tomou coragem e foi até lá. Afinal, Juru não era homem de temer a nada, muito menos a uma pobre mulher encarnada.
Ao chegar ao barraco, instalado a beira do rio que banha de norte a sul a fronteira do Piauí com o Maranhão e por isso traz em suas margens todo tipo de histórias de assombração contada pelos descendentes de escravos, bateu a porta que se abriu lentamente com um ruído fino e estridente de doer os tímpanos, quando ouviu uma voz femenina lhe convidar a entrar.
Marrudo como sempre, Juru, meteu o pé na porta entreaberta, que se escancarou de vez e com sua "delicadeza" costumeira esbravejou em alto e bom som:
- Bom dia dona...
Não viu nem ouviu ninguém, se arrepiou todo e com estranheza, pois tinha certeza, não estava louco, alguém ou alguma voz o havia convidado a entrar.
De repente ouviu uma cadeira de balanço ruir, objeto muito comum em casas de campo na zona rural do sertão. Para sua surpresa um senhor vestido de terno e calção, com o rosto todo encoberto por um chapelão, segurando uma bengala cinza com uma cabeça de porco chifruda na extremidade superior, fumando um cachimbo fumaceiro do mesmo tipo e tamanho do de seu patrão.
Logo, Juru compreendeu que se tratava de alguma assombração ou catrevagem oriunda dos quintos da escuridão e que tinha alguma coisa haver com sua maldição.
Para não fazer feio e desapontar o assombroso, esticou os músculos de braços e pernas, arregalou os olhos, serrou os punhos, se armou todinho e puxando com rapidez seu facão com se preparasse para uma briga de cão, deu um grito tão feio, mas tão feito que o assombroso caiu de sua cadeira entronizada.
Juru, se animou quando viu desabar no chão de tanto susto o tormento encarnado em gente ruim. E foi logo lhe perguntando sem arrodeios:
- O que o senhor deseja por aqui?
O assombroso logo se interessou, e com um sorriso sedutor e curioso lhe fala:
- O senhor tem uma maldição sobre suas costas, desde o dia em que com palavras torpes agravou o meu maior desafeto. Automaticamente eu recebi o direito sobre ti, meu filho só há dois caminhos o de lá e o de cá. Você agora está no de cá.
E deu uma gargalhada infernal que encheu todo o povoado.
Até o padre na abadia de porta fechada se benzeu.
E continuou:
- Eu tomei conhecimento que tu desejas por demais mudar de vida. Sair dessa vidinha velha e cansativa, sem prestígio, reconhecimento, pobreza e doença.
- Tenho sim senhor, respondeu Juru, muito invocado.
- No que o senhor pode me ajudar? Lhe perguntou em seguida.
- Eu sou a solução que esperavas. Mas quero algo em troca. Como todo mundo sabe não dou nada de graça a ninguém.
- O queeeeeeeeee? perguntou Juru com seu sotaque de sertanejo doido por dinheiro.
- Você tem 17 filhos. É filho pra dar e vender. Continuou o fedido a enxofre.
- Só preciso da alma de um deles para tornar teu sonho de fortuna se realizaaaaaaaaaaaaaar. Falou o encardido imitando o sotaque do matuto Juru.
-Tudo bem, vou te encaminhar uma alma desorientada que tem lá em casa. Se tratava de um de seus filhos que nascera tão feiinho que não tinha coragem de botar a cara fora de casa, além de algumas "virtudes" associadas a sua inigualável "beleza", era portador de uma doença chamada no sertão de preguiciti aguda, não tinha coragem nem de se virar e morrer, um verdadeiro encosto mal.
- O encardido que não é bobo disse, nada disso quero ir até tua casa e escolher o mais apropriado e condizente com a fortuna que irás encontrar. Desconfiava da oferta tão fácil e até interessada de Juru, o pai.
Juru não aceitou e disse:
- Alma é tudo igual.
Diante da teimosia de Juru, o desafeiçoado aceitou e combinaram de se encontrar à meia noite na frente da casa, horário em que todos estariam dormindo e não perceberiam sua presença funesta e desgraçosa.
À meia noite lá estava ele com seus trajes nada convencionais, parecia mais um mágico de circo de 5ª categoria.
Entrou em silêncio e seguindo Juru, passou embaixo das 16 redes armadas pelo salão do casebre de taipa e cobertura de palha.
Ao chegar na última verificou que esta estava toda molhada e fedia a cocô de 5 dias. O menino dado já havia feito suas necessidades fisiológicas ali mesmo no leito de vida e morte.
Empolgado com toda aquela situação pavorosa, até mesmo para o pavoroso, com a mão tapando as narinas puxou suavemente a lateral da rede e visualizou a criatura de ronco cavernoso.
Era um menino de seus 14 anos, magro, pele manchada, empestiado de feridas, escorri-lhe o nariz, olho mais alto que o outro, orelhas enormes (maiores até que as do próprio cavernoso das trevas), odor insuportável de sua incontrolável flatulência mesmo ao dormir, portava um "bico de papagaio" nas costas que o impossibilitava de trabalhar em algumas atividades laboriais do sertão. Era uma fera, o menino pra besta só faltava ser carregado pelo tenebroso.
Isso tudo fora visualizado pelo negociador das trevas em fração de milésimos de segundos, que num salto para trás de susto, retrucou e gritou nãoooooooooooooooooooooo.....esse aqui nãoooooooooooooo.
Juru enraivado, sentindo -se injustiçado, pois o "sujo" havia quebrado o trato, desembanhou seu facão enferrujado, porém bem amolado (com água na pedra de paralepípedo muito comum no Piauí) transportador de têtano ameaçou-o de feri-lo sem arrependimento.
O "encardido" não titubiou e concluiu, esse Juru é carga torta, vai me quebrar aqui no meio do sertão e me desonrar, (ele sabe que o povo do sertão é superticioso e lhe tem muito "apreço")
- Tudo bem! gritou o 'Fedido". Vou levar o condenado do menino, mas não vou dar-lhe guarida no Hades, vou deixá-lo pelo meio do caminho onde possamos atormentá-lo, ele é feio demais e vai assutar as potestades mais assombrosas do sertão.
Vou lhe encomendar uma capa escura com capuz e uma foice. Ele servirá para me prestar alguns serviços no reino das trevas.
- E quanto a minha recompensa? perguntou raivoso o Juro.
- Ela se encontra no fundo dos rio debaixo da ponte é só mergulhar e pegar. É um saco de estopa, 60 kg, recheado de moedas e prataria de um antigo proprietário de escravos. Respondeu em tom de escárnio o "temeroso".
Juru, ao tentar encontrar a fortuna, desapareceu... deve ter morrido afogado ou carregado pelo assombroso das águas subterrâneas. Os moradores do povoado dizem, até hoje, que nas noites de lua cheia, veem e ouvem assobios de um assombroso de capuz a aterrorizar viajantes e peregrinos que atravessam a ponte.