O CABOCLO MATUTO E O TREM
Nascido nos cafundó onde Judas perdeu as botas, menino simples, filho de sertanejo, sem instrução alguma cresceu tão matuto quanto o pai e quando ganhou uma certa idade, tanto ouviu falar de lugares novos onde o progresso chegou e transformou a realidade que despertou em si a curiosidade por essas coisas desconhecidas, decidido certo dia resolveu ir conhecer esta maravilhas em terras distante. Arriou o seu cavalo, um belo animal por sinal, e saiu sem data e hora para retorno a casa paterna, simplesmente foi procurar o desconhecido que tanto fascinava e nem deixou a certeza da volta pois se gostasse do lugar e dos modos do povo dito civilizado, ficaria por lá mesmo.
Transcorreram vários dias de caminhada trotando em seu cavalinho, dormindo pelas currutelas de beira de caminho, mas com o firme propósito de conhecer o famoso progresso. A certa altura a estrada pela qual caminhava cruzou com a passagem de nível de uma ferrovia, algo totalmente novo para o peão que ao ver os trilhos, parou o animal e ficou matutando o que deveria ser tal coisa e estava ainda envolto em seus pensamentos eis que surge na curva ao longe um trem, apita uma, duas três vezes, o caboclo avança com seu assustado cavalo, tão crioulo quanto o proprietário e queixo caído fica observando a passagem daquela geringonça. Era um trem misto, vagões de cargas, vagões boiadeiros e por ultimo uns três ou quatro vagões de passageiros, a locomotiva faz um esforço danado para puxar os vagões, soltando fumaças por todos os lado, ele observa e vê dentro dos vagões algumas cabeças de bois, mas não contem quando passa o vagões de passageiros com pessoas confortavelmente sentadas, alguma as janela acenando ao caipira, sente um arrepio a ver tal cena, se a enorme cobra engoliu os bois, tudo bem é da natureza, mas se alimentar de pessoas, isso não pode ser, sente no dever de salvar aquelas vidas e sem pensar duas vezes, tira o velho laço de couro ressecado da chincha do animal, aparelha o vagão e joga o laço como se fosse uma res, a laçada foi certeira, porem o trem teria arrastado cavalo e cavaleiro se por sorte o laço ressequido pelo tempo não tivesse arrebentado graças a um forte solavanco, decepcionado com o seu fracasso, o caboclo ficou olhando o trem que seguia soltando muita fumaça pela cabeça e serpenteando entre vales e montanhas até sumir no horizonte. Encabulado e com medo, o rapaz resolveu desistir da viagem, o progresso não lhe foi agradável aos olhos pois nunca tinha visto uma cobra de tamanho descomunal como aquela e o pior, com a barriga empanturradas de bois e pessoas, isto era o fim do mundo com certeza.
Retornou para a casa paterna, silenciou seu coração e não voltou mais a falar de viagens ou mudanças, ficou quieto em seu canto porem aquela triste imagem não lhes saia da sua mente. Passaram-se alguns anos, casou, conseguiu um bom emprego de zelador de uma pequena propriedade ali mesmo nas redondezas distante das agitações das grandes centros e cujo proprietário era um doutor da cidade que só comparecia vez por outra ou nos finais de ano, quando trazia toda família para passarem as férias no sitio.
Por ser um peão de confiança era muito querido pelo patrão que num desses finais de anos, resolveu presentear a todos, fazendo alegria dos adultos e das crianças e coube ao filho mais velho do peão um brinquedo moderno, diferente dos brinquedos comuns entre a gurizada local, era um ferrorama movido por pilhas e o menino ficou todo encantado e feliz da vida com o presente e brincava na varanda quando o peão chega cansado da lida. Ao ver o trenzinho de brinquedo circulando, a Imagem da gravada em sua mente vem a tona, imediatamente toma um decisão e num relance despedaça aos ponta pés o brinquedo do filho que assustado sai chorando com medo da atitude do pai. O patrão ao ver a violência do rude peão, não entende tal comportamento e o repreende energicamente mas este humildemente explica.
_____ Mi perdoe meu patrãozinho, o sinhô num sabe o perigo que é esse bicho, tem que matá enquanto inda é fiotinho no ninho, adepois queles crescê o sinhô num sabe o trabaio que dá, nem o diabo pode com isso dotô.