Não sei quem sou
Não sei quem sou
13.07.2010
Quem sou eu , era a pergunta que Ana Clara fazia de si para si, porque afinal ela não sabia mais qual era sua identidade.
Há cinco anos estava casada com Eduardo, homem muitíssimo austero e dono da razão.
Foi em seu aniversário de quinze anos, que eles se conheceram, ela menina dócil, inteligente, muito bonita.
O primeiro encontro, ela lembra-se como se fosse agora, era sua festa de debutante, ele a olhou, ela simplesmente estremeceu ao seu olhar, foi a primeira vez que flertou com alguém, mal ouviu quando ele disse:
- Conceda-me a honra da primeira dança, ela totalmente embriagada pela sua máscula beleza, seu porte físico atlético, seus grandes olhos verdes, sequer pestanejou, e disse:
- será um prazer.
E a partir daí, nunca mais teve qualquer tipo de amizade masculina.
No início foi fascinante, aquele jovem tão cobiçado por todas jovens, era seu namorado, e morria de ciumes dela, sinal que a amava, porém o tempo foi passando e o ciume aumentando, já não era normal, era sufocante, após o casamento piorou, agora havia uma pitada de desconfiança, ela não podia sequer cumprimentar alguém, a situação tornou-se insuportável.
Após o casamento surgiram as primeiras diferenças, ela sempre muito romântica, ele extremamente realista, muito seco, dizia que ela vivia em um mundo de ilusão, que deveria despertar para a vida.
Seus gostos eram extremamente diferentes, da escolha de um filme ao cardápio, tudo era muito difícil, e a palavra final era sempre dele, cabia a ele qualquer decisão, fosse qual fosse. Se ela escolhesse um filme romântico, ele optava por um filme policial, se saíssem para jantar, haveria de pedir o cardápio escolhido por ele, para isso ele sabia muito bem como convencê-la, e dizia:
- Sabe amor, o melhor mesmo são os pratos que você prepara, igual não há,- que iguarias você sabe fazer, e o tempero, - ah! , este não tem para ninguém e assim foi, até que nem jantar fora iam mais.
Sua toalete, acessórios e perfumes também era ele quem escolhia, e nem sempre condizia com o seu gosto, mais um arranjo aqui e outro ali, e ficava por isso mesmo.
Assim, absorta em seus pensamentos, ela se encontrava, quando Eduardo chegou e foi logo dizendo:
- Olá amor! - prepara meu banho e depois vá se arrumar, que nós vamos visitar um amigo, - olha , coloca aquele vestido vermelho, más batom vermelho nem pensar, põe os sapatos, aqueles..., nem conseguiu terminar a frase, e ela soltou um grito, que o deixou atônito, afinal ele nunca a virá daquele jeito, era a primeira vez .
- Calma amor, o que está acontecendo, eu só disse que nós vamos sair, - mas o que foi, -porque você ficou assim, desta vez as palavras lhe saiam suaves e carinhosas, ele realmente, estava preocupado, o que estaria acontecendo!
Neste momento, tudo veio à tona, desde o dia em que se conheceram até o momento, tudo passava em sua mente conforme uma tela de cinema, primeiro foi o corte de cabelo, ela tanto gostava de seus longos cabelos com fios louros, e ele fê-la cortá-lo, convencendo-a, de que ela ficaria mais bonita com os cabelos curtos, depois foi a tonalidade de batom, ela sempre apreciara batom na cor viva, ele porém queria que usasse sempre um batom muitíssimo claro, que sequer realçava, com sua cor de pele, agora era diferente, ela estava acordando para a realidade, essa situação não poderia ficar dessa forma.
- Sabe, Eduardo, - eu me cansei,- para mim chegou, ou eu volto a viver, ou eu vivo sozinha, porque nem sei mas quem eu sou, você virou a minha vida dos avessos, e pôs se a falar sem parar, até que por fim, ele disse:
- Vamos rever nossa situação. E reviu mesmo, logo no dia seguinte ele a chamou, e sugeriu que ela passasse umas férias na casa de seus pais, até que ficasse mais calma, pois isso tudo não passava de um stress, e logo tudo voltaria ao normal.
Claro, que normal, seria viver da forma que ele queria.
Assim foi feito, Ana Clara foi para casa dos pais, e lá passou alguns dias, mas a saudade foi grande.
Passado o momento de explosão, ela ligou para o marido, que em seguida foi buscá-la , e tudo voltou à sua rotina.
Ana Clara, agora, sentada no peitoril da varanda espera pela chegada do marido e pensa:
Não sei quem sou, nem sei se existo mais, simplesmente sei que um dia eu fui eu mesma, hoje eu sou o que ficou de mim, ou seja, sem ele não sou nada.
Eduardo chega, abraça-a e saem, ela murmurou-lhe algo ao ouvido, numa voz infinitamente carinhosa , não podia articular nem mais um pensamento.
- O vento cálido soprava-lhe o rosto, e ela limitou-se a dizer, nós dois somos um só.
Ele segurou firmemente suas mãos, era, por natureza, inteligente, muito ponderado, e falou-lhe pausadamente.
Vamos esquecer tudo e continuarmos nossas vidas.
No dia seguinte estavam os dois de volta as suas casa assistindo a um filme policial, que ele escolhera .
E a conversa encontrava-se nesse pé.
- Que lindo filme Edu,
- Ah, eu escolhi para você.
Ela deu de ombros, que diferença faria, ela já não possuía mais identidade. -