Laço Fatal
Era um dia de inverno intenso e monótono. Na janela, a nevasca tornava o dia castigante e nada se via em movimento na rua além da neve que já se acumulava no portão de entrada. No quarto o escritor acaba de acordar. Levanta da sua dura cama e caminha até ao banheiro. Olha no espelho e vê suas olheiras fortes e acentuadas, lava seu rosto para amenizar a aparência resultante da sua curta noite de sono.
O pobre escritor vai até a cozinha e bebe um chá quente enquanto observa o lado de fora.
- Dia feio, dia melancólico, dia frio o que posso escrever de você hoje?
O homem então se coloca na sua velha poltrona e acende um cachimbo. Cruza as pernas e se encolhe tentando aumentar sua sensação de calor. Fecha os olhos e medita em suas lembranças passadas. Suas sobrancelhas se contraem e a ponta de seus dedos começa a tremer. O cachimbo cai no chão e então, ele se levanta assustado. Suspira e diz:
- Calma rapaz calma, são coisas da vida, acontece, todos passam por isso. Está tudo bem, tudo bem.
Caminha até ao seu pequeno escritório. É uma sala miúda, mas com um ar muito confortante. Uma escrivaninha pequenina se encontra no centro do cômodo. Ao redor vêem-se prateleiras saturadas de livros. Livros grandes e pequenos, a maioria bem antigos e gastos. Em cima da escrivaninha havia papéis e mais papéis e na ponta a caixinha de tinta se encontrava no mesmo lugar, do lado da caneta bico de pena. A cortina da janela estava aberta e para evitar olhar para aquela paisagem extenuante o escritor fechou-a na tentativa de esquecê-la.
Sentou e começou a pensar. Pegou o bico de pena, uma folha de papel e pôs-se a escrever:
“Querido irmão...
Escrevo esta carta para me animar um pouco, pois o dia hoje está horrível. Foi a pior manhã que já passei desde que tudo aconteceu. Mamãe está bem de saúde, mas deve estar emocionalmente muito mal, você deve saber o porquê. Terminei de ler o último livro que você lançou, realmente você tem muito talento. Diga-me como consegue ir tão longe em seus pensamentos? Queria ter aprendido mais com você! Lembra de quando éramos crianças? Escrevíamos contos e depois líamos um do outro? Puxa vida sempre que eu terminava de ler o seu conto ficava com inveja. Eram bons tempos, pena que tudo mudou. Quando o clima não está bom passo horas relembrando o passado. Às vezes tenho a sensação de que a nostalgia pode ser mortal, sinto tanta saudade do passado! Seria capaz de qualquer coisa para voltar no tempo. Infelizmente a vida não é como nos nossos livros, não é mesmo irmão? Mas acho que tudo deu certo para nós, pois somos o que mais queríamos ser: Escritores. Talvez quase tudo...”
O homem apoiou sua mão na mesa para segurar o seu queixo trêmulo. Uma gota de lágrima cai na folha de papel enquanto as outras são enxugadas por sua mão. Pôs-se a carregar sua caneta com tinta e continuar.
“... Diga-me, por favor, por que fez isso?! Tudo parecia tão bem. Você era um rapaz tão feliz e inspirado, você sabe, todo mundo via isso em seus livros. Meu irmão, meu único irmão diga-me, por que fez isso? Queria poder esquecer de tudo e senti-lo tão somente como antes – vivo, intenso e presente. Queria poder te entender, sentir o que você está sentindo neste momento, debaixo da terra, nas profundezas do silêncio. Mas sei que não posso, terei que esperar até o fim da minha vida. Minha ansiedade para este dia será a minha luta. Adeus, adeus querido e amado irmão você sempre, sempre estará comigo em minha mente e coração. Adeus...
Seu irmão.”
A vizinhança toda no dia seguinte se reuniu para o velório do homem escritor. A informação que se falava era de que ele morrera por envenenamento e estava no meio da cama já na posição de um defunto com um papel na mão.
“É mais fácil suportar a morte sem pensar nela do que suportar o pensamento da morte sem morrer.” (Blaise Pascal)