" - Meia volta - Volver!"
“— Meia volta – Volver!”
(Theo Padilha)
— Viva! Afinal de contas um feriadão a nossa frente! – exclamou “Passo-Preto” sorvendo sua quarta dose de Oncinha, num canto do balcão, do bar do Joaquim.
— Se o patrão não der umas horas extras para a gente fazer! – atalhou Zé Quirino. O patrão, que jogava truco, ao lado, sorriu.
— Nossa “hora extra” será à beira do Cinza! – comentou Hélio Primo, debruçado sobre o taco de sinuca.
— Boa idéia, Hélio! Vamos buscar aqueles peixões! – disse Theo, fechando a partida com a bola oito. E enxugando o copo de Brahma.
Passo-Preto era pintor. Zé Quirino marceneiro. Ambos trabalhavam na mesma empresa. Hélio era funileiro e Theo empregado da Brahma. Todos casados.
Na sexta-feira à tarde Hélio encostou a caminhoneta no bar do Joaquim, onde estava toda a patota.
— Trouxe mais o Lepão para nos ajudar. Vocês já estão prontos? Trouxe toda a tralha. Anzois, varas, encerado, farelos, arroz, óleo, faroletes, fósforos, panelas e talheres.
Depois de comprarem mais bebidas a turma subiu no carro de Hélio para aquela aventura de três dias. E foram todos alegres até a cidade de Guapirama, onde pararam num mercado para comprar mais algumas coisas. Ali compraram mais cerveja, caldo Knorr, vinho e pães.
— Chega gente vamos embora! – disse Hélio guardando uma lata de ervilhas no meio da tralha. Outro pegou compota, o dono nada viu.
E foram para o rio das Cinzas. Para um lugar muito conhecido na região. Sítio do Odashiro. Era o lugar predileto daquela turma. Sempre estavam por ali.
É um lugar muito bonito. De dia a grama verde em toda a margem do rio. Um pequeno rancho já caindo, os eucaliptos, a mata toda do outro lado do rio parecia uma gigante ferradura. Como se um gigante animal tivesse pisado naquele local. As flores parecendo um quadro de Van Gogh.
Chegaram à noite. Mas ainda conseguiram furtar umas espigas de milho na roça do japonês. Acenderam uma fogueira e foram pescar.
— Theo! Como você é medroso pode ir dormir. Não beba mais da pinga do garrafão, senão teremos que buscar outro amanhã cedo e a gasolina não dá! – falou Hélio Primo.
— Boa Idéia! Vou me deitar debaixo do rancho caído. Ninguém venha me encher o saco porque vou ouvir as notícias do meu Santos na Rádio Bandeirantes!
— Alguém ajude o Quirino! – falou uma voz no escuro. Acho que era o Lepão. O moço havia bebido muito.
O Primo em vez de ir pescar saiu com o Passo-Preto em direção a uma casinha que eles já sabiam, onde havia muitos frangos. E logo voltaram com uns dois frangos. Ninguém dormiu naquela noite e nem pescaram patavina nenhuma. Só de madrugada foram deitar.
— Eu te amo! Eu te amo!... – O Lepão ora imitava o Roberto Carlos, ora chorava por uma garota que ele dizia que gostava. Ele era motorista de caminhão e guitarrista.
Depois de comerem um delicioso arroz com frango, todos foram dormir cada um contando sua vida.
O sábado veio muito lindo. Era mês de janeiro. Logo todos estavam chupando limão e umas laranjas que acharam no bosque. Quirino descalço e apavorado atrás do garrafão de cachaça que esconderam dele e do Theo.
— Se não aparecer o garrafão, eu vou embora! – falava Quirino.
— Esquece Zé, vamos nadar! – gritou Lepão pulando no rio cheio até a boca com uma mortal correnteza, que já tinha levado muita gente boa.
— Bosta não afunda! - murmurou Theo meio com medo. Mas feliz porque achara o garrafão.
Hélio pegou umas velas e foi rezar para o seu caboclo de macumba, pedir ajuda para a sua vida torta. Theo inventou de jogar a bota do Zé Quirino n`água. Que por sorte o Lepão pegou. Ademir Passo-Preto só dava risada e bebia como uma boca gostosa. Depois todos entraram no rio na sua parte mais rasa, para sarar da ressaca.
No domingo à noite todos se preparavam para ir embora. Hélio funcionou o carro cheio de milho verde. E tocaram uns 500 metros até uma porteira. Mas o tal do carro quebrou. Hélio desmontou e viu que tinha que ser chamado um mecânico. Como dizia Wanderley Cardoso numa música da época: “O pic-nic foi bom, mas a volta é que foi ruim!”
— Theo, deixe-me lhe explicar. Estão todos bêbados. Os mais sãos somos nós. Preciso que você vá até Guapirama e traga o Euzebinho. Mostre este bilhete para ele. Uma peça está quebrada. Nós vamos esperar a volta de vocês. Pois amanhã temos que trabalhar, não é?
— Mas logo eu Hélio? Não sabe que nunca andei à noite. E ainda mais com um tempo deste. Tudo escuro. Acho que vai chover. Não tem uma estrela no céu!
Theo havia sido soldado e fez muitas caminhadas à noite. Mas no meio de muitos soldados armados. Pediu para que o Helio fosse. Este, porém, porém disse que se conseguisse arrumar logo o alcançaria.
— Seja o que Deus quiser. Vou levar o meu rádio e por no último volume. Assim não ouço nenhum berro de assombração!
Ele tinha visto muitos filmes de terror e era assustado. E lá foi o pobre rapaz pensando na vida.
— Ah! Como podia estar em casa na minha cama quentinha ao lado de minha mulher!
O tempo estava realmente feio. A distância era mais ou menos de seis quilômetros. Na metade do caminho, Theo parou para descansar. Ele andava de olhos fechados. E por meio da estrada. De medo. Fazia uma hora que estava andando, disse o radialista. Conforme o lado que o rádio virava a estação de rádio sumia do ar. Pois o pior aconteceu. No escuro e de olhos fechados, Theo, distraidamente, estava voltando para a beira do rio. Ele só abria os olhos a cada relâmpago que dava para não cair sobre as pedras.
— Minha nossa! É a porteira do Odashiro. Estou voltando, não é possível? – dizendo isso se sentou e começou a chorar de raiva e de medo, com os olhos arregalados.
De repente, Deus lhe ouviu. E um farol apareceu ao longe e foi chegando. A turma havia arrumado o carro e estavam voltando para casa cantando. Todos haviam feito um bolão da loteria esportiva e feito doze pontos. Um dos jogos iria para sorteio. Eles tinham colocado vitória do Uberlândia e cantaram “Uberlândia!” a noite toda até chegar no bar do Joaquim. Mas na segunda-feira deu o outro time. A sorte não os ajudou.
Joaquim Távora, 9 de junho de 2010.