ASSASSINATO A SANGUE FRIO
Confessou o caboclo que aquele dia parecia estar com o diabo no corpo, chegou calmamente a cavalo, abriu a porteira e subiu espigão acima, rumo a um pé de mangueira frondosa que reinava sozinho alto daquele morro. Apeou de seu alazão, jogou o cabresto num mourão de cerca desativado que ficava nas imediações, olhou ao derredor, tinha certeza que ali estava bem protegido do olhar de curiosos. Pegou um rifle americano que trazia na garupa do animal, tirou da algibeira um lenço com que limpou cuidadosamente a arma e da mucuta a tiracolo, as munições com que carregou a arma com o carinho de um bom caçador, após certificar de que o equipamento estava pronto para ser utilizado, subiu na mangueira, se acomodou em um de seus grossos galhos, apoiou o rifle num gancho da arvore, local privilegiado onde podia ver a distancia a curva do estradão por onde passaria com certeza o seu desafeto, pois religioso como era, jamais deixaria de ir a missa aos domingos mesmo que chovesse canivete, imagine num dia ensolarado como estava a manhã e obrigatoriamente passaria por ali.
Foram mais de duas horas de espera, e quase uma dúzia de palitos de fósforos mascados, habito que tinha quando ficava tenso. Derrepente finalmente surge ao longe o esperado homem montado num cavalo que vinha troteando despreocupadamente pelo estradão de terra batida, esperou cautelosamente que se aproximasse da curva, local que segundo o seu projeto, era o ideal para realizar o seu intento e se livrar de vez deste intruso. O Cavaleiro chegou, entrou na mira do possante rifle e sem pestanejar, seguro de seu propósito, apertou o gatilho, um estampido ecoou pelo vale, o tiro foi certeiro como planejado, e pôde ver o cavaleiro que sentindo o impacto da bala, cambaleia na sela e depois cai no leito do estradão, o dócil animal, apesar susto, para em seguida, rodeia seu dono e fica por ali a pastar na grama verde da beira do caminho.
Ele diz que após observar novamente ao derredor, nenhuma alma vivente por ali, desceu da arvore, não precisava certificar nada, pois tinha absoluta certeza de que a empreitada fora realizada a contento, monta novamente no seu alazão, desce morro abaixo, abre a porteira, pega o estradão e vai embora, sem ao menos olhar para traz, como se nada tivesse acontecido. Era a certeza do deve cumprido, pelos menos agora o infeliz não ira mais atazanar a paciência de ninguém. Agora era só esperar, algumas horas mais tarde com certeza, correria a noticia pelo bairro de que na curva do estradão, por este nome era conhecido o trecho, o Seu Anastácio fora morto numa emboscada. Como toda morte violenta envolve a justiça, as ocorrências, investigações e os tramites exigidos pela lei, foi pensando nisso que planejou tudo com muito carinho e com o esmero de um profissional, nada foi deixado para traz, nem uma pista sequer que pudesse incriminar o autor e mentor de tal ato.
Como imaginado pelo assassino, logo a noticia se espalhou pelo bairro, era uma choque para quem recebia tal informação, ninguém se conformava, com o acontecido, logo o Seu Anastácio, homem tão religioso e correto, honesto nos seus negócios e coitada da Dona Alzira, senhora já de idade avançada, perdera o marido a menos de um ano e agora o filho, ainda mais de uma morte violenta como essa isto é de cortar o coração de qualquer mãe.
Logo que o corpo foi liberado pelas autoridades, foi providenciado o guardamento e segundo a tradição roceira, o sepultamento seria após, no mínimo 24 horas do falecimento, assim o féretro sairia somente na manhã do dia seguinte. A tristeza abalou não só os familiares, esposa, filhos ainda pequenos, a mãe e os irmãos do falecido, mas todos do bairro e adjacências que conheciam muito bem a idoneidade do falecido, ninguém atinava quem poderia ter feito tal crueldade, muitos até chegaram a levantar a probabilidade de algum assassinato por encomenda e que apesar da tamanha perícia do assassino, este teria matado a pessoa errada.
Como se diz na roça, não existe crime perfeito, assim, na noite do velório, todos os familiares estavam inconformados pelo episodio, Antenor desolado, num canto do terreiro, não parava de mastigar palitinhos de fósforos, costume que tinha quando ficava nervoso e isto não demorou a ser notado pelos homens da policia que observavam tudo atentamente na tentativa de elucidar o caso. Na manhã do dia seguinte foi discretamente abordado pelos homens da justiça e levado pela emoção do momento, apesar da frieza de seus atos, o rapaz acabou confessando a autoria do crime e que fizera tudo por conta de um pequeno desentendimento que tivera na partilha do sitio, herança deixado pelo falecido pai. Surpresa para todos foi quando saiu cortejo levando o caixão de Anastácio rumo ao cemitério local e algemado pela policia, Antenor que foi preso em fragrante por ter assassinado o próprio irmão.