RECADO DO ALEM

Naquela manhã Antonio amanheceu inquieto, parecia que nada estava bom, o sono da noite foi repleto de pesadelos, não conseguia esquecer aquele sonho de quinze dias atrás, estava com a sensação de que aquilo foi mais uma aparição do que um sonho propriamente dito tal a realidade vivida naquele momento. Após o café daquela manhã cinzenta, decidiu não ir para a roça naquele dia, arriou o seu cavalo e foi para o povoado, precisava espairecer um pouco, pois as imagens daquela noite parecia estarem endoidecendo o pobre homem

Chegou na venda como de costume, tomou uma dose da branquinha, proseou um pouco com o vendeiro e alguns fregueses conhecidos que estavam por ali, mas nada estava bom, o dia continuava cinzento e uma angustia apertava o coração e isso não era normal pois nunca sentira tal esquisitice. Pensou em passar no estabelecimento do velho amigo farmacêutico do qual sempre procurava para ouvir conselhos sobre a saúde e as vezes até alguns acontecimentos da vida. A caminho da farmácia, obrigatoriamente passou em frente ao correio do lugarejo, bateu-lhe o desejo de entrar a procura de alguma missiva, coisa que nunca havia feito, pois toda correspondência que chegava o dono da agencia logo deixava na venda, ponto de referencia para ele e demais moradores daquelas redondezas. Parece que foi por Deus, lá estava a carta que sua cunhada que acabara de chegar e portanto não tinha sido entregue na venda. Imediatamente abriu e ali mesmo na rua, à sombra de uma arvore, ávido por noticias nem atentou para a data da missiva e começou a ler:

“... Querido cunhado Antonio. É com o coração partido que hoje peguei na caneta para escrever estas mal traçadas linhas e espero que ao chegar aí, encontrem vocês gozando a mais perfeita saúde e felicidade. Cunhado, por aqui as coisas não andaram muito boa, o José, seu irmão, a uns três meses teve um estupor dos bravo, você sabe que aqui onde estamos morando, nesta época do ano as manhãs são muito frias, ele levantou da cama, tomou um café com leite bem quente e teimoso como era, saiu pelo pasto chamando as criação para a lida do dia, com a demora da volta, os meninos foram atrás e o encontraram caída no meio da grama molhada de orvalho Foi um susto danado, trouxeram ele pra casa mas o mal já havia acontecido, ele estava com a boca torta, a língua enrolada, as mãos abobalhadas e da cintura pra baixo não tinha firmeza nenhuma. Querido cunhado, foi muito difícil a vida nestes meses em que Jose ficou de cama, aquele homem disposto estava definhando cada dia mais, isto doía o coração dos meninos que muito o amavam e o meu, pois José sempre foi um exemplo de marido e de pai. No momento em que escrevo esta, estou muito triste, me desculpe das palavras tremidas, mas ao menos agora não estamos vendo ele inerte numa cama pois a três dias Deus o chamou para a morada celeste...

Antonio encostou-se ao tronco da arvore, as lagrimas brotaram nos olhos impediram a leitura da carta até o final e num instante seu pensamento vagou pelo tempo, recordando da infância, das brincadeiras, José sempre temente a Deus, vivia as turras sobre a existência do céu e do inferno que ele, mais incrédulo, dizia não existir, e quando Jose insistia em afirmar que o Céu era um paraíso de felicidade e o inferno um poço de sofrimento e discussão sempre acabava com a sua palavra final:

___ Deixe de ser bobo José, nunca ninguém voltou para dizer como é! Morreu, morreu, tudo se acabou, e você fica com estas besteiras na cabeça.

Lembrou do dia em que irmão já casado se despediu da família para mudar para os cafundós do Paraná, onde o sogro havia adquirido uma gleba de terra e contava com os filhos e genros, entre os quais Jose, para o plantio de uma grande lavoura de café, a febre do momento. Parecia ter sido ontem que tudo isso tinha acontecido mas vinte anos já se passaram, Jose retornou uns dois anos depois na morte do pai e daí em diante nunca tiveram noticias um do outro pois nem mesmo tinham o habito de se comunicarem por carta.

Naquele momento, o mistério se revelou, lembrando daquele pacto selado ainda criança entre os dois irmãos: Aquele que morrer primeiro, voltará para contar para o outro como é o alem. Antonio agora tinha a certeza de que não foi um sonho que teve a quinze dias trás, mas o irmão Jose que veio do alem para cumprir a promessa e as palavras ouvidas naquela visão parece ecoar aos seu ouvidos:

___ Antonio, lá não é nem como eu imaginava e nem como você pensava e não faça este pacto com mais ninguém.

Desolado, saiu andando pela rua deserta do patrimônio, dirigiu-se até a Igreja, entrou e diante do altar rezou a sua maneira, depois voltou para casa partilhar com a família a triste noticia recebida e apesar de tudo, agora estava com o coração em paz, a angustia desapareceu e parece que até o dia estava mais bonito e alegre depois de tudo isso.

Maciel de Lima
Enviado por Maciel de Lima em 17/04/2010
Reeditado em 08/10/2011
Código do texto: T2202265
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