Morro Velho

(Historinha baseada na música de mesmo nome, de Milton Nascimento e Fernando Brand, gravada maravilhosamente por Elis Regina)

Dois meninos. Um, filho do fazendeiro, o outro, de escravos. Brincavam o dia inteiro pelas terras, sem nunca pensar no amanhã ou na cor diferente que cobria suas peles. Gostavam de subir as montanhas da fazenda Morro Velho, numa cidadezinha de nome comprido, no interior das Minas Gerais, onde, no passado, os portugueses vasculharam os rios em busca de ouro.

Naquela primavera de 1845, não havia mais o metal amarelo nas águas, mas o verde da cana e do café formavam ondas na Morro Velho. Os dois meninos, com a mesma idade, se divertiam à cata de passarinhos ou melancia e melão que nasciam nos carreadores do café.

Certo dia, anos depois, o fazendeiro chama seu filho e lhe diz que é hora de ir à capital estudar. Os dois amigos choram na despedida. O neguinho fica como estátua na estação vendo o trem trilhar o caminho do Rio de Janeiro.

Quando o estudante volta, já é outro. Não reconhece mais o amigo que o espera na estação. Traz, do Rio de Janeiro, muitas coisas, até Sinhá Mocinha, para apresentar à família. “Ela é linda como a luz da lua”, pensa o filho de negros, que nem sabe se será convidado para o casamento marcado para breve.

O pai, orgulhoso, lhe confidencia; “agora sim você é um homem de bem e na fazenda é quem vai mandar”. O outro, o neguinho, velho camarada dos tempos de infância, já não pode mais brincar com o amigo que voltou. Só pode trabalhar. A ele, só ensinaram as lições do cabo da enxada e da ponta do chicote.