Viajando de Mixto
Tenho uma ligeira impressão que no dia em que eu morrer, irei diretamente para o céu. - Durante os mais de trinta anos que passei viajando por este Brasil afora, construindo por tudo que era de buraco, passei por poucas e boas, comi o pão que o diabo amassou, cheguei a viajar até de “Mixto”. - “MIXTO” para os menos informados, como o próprio nome esta dizendo é uma mistura de caminhão de carga e ônibus, atualmente ainda utilizado no interior do Ceará. - Este tipo de transporte carrega de tudo, sua carga é a mais eclética e variada possível, leva de tudo, como sejam: porcos, cabras, galinhas, máquina de costura, “mangai” e até gente.
Eu estava construindo uma obra para a Atecel, era uma complementação de uma pista de pouso no aeroportona cidade de Jaguaribe - CE, do Programa de Chuvas Artificiais da Sudene.
Numa sexta-fira eu retornava de Jaguaribe, onde visitara a obra bem e efetuara o pagamento da folha do pessoal, eu viajava numa pick-up A-10 da Chevrolet a álcool, acho até que este carro foi um dos primeiros carros movidos a alcool chegados a Campina Grande. Como a tecnologia dos carros movidos a alcool ainda não estava bem desenvolvida, o seu funcionamento era péssimo. O carro falhava a todo instante, até que bem próximo a cidade de Iço - CE. o motor dá um tranco e para de uma vez, com o auxilio de algumas pessoas conseguimos empurra-la e coloca-la para fora da estrada estacionando em frente a uma casa em baixo de uma oiticica. - Uma das pessoas que empurrava o carro, dizendo-se mecânico, me informou que o comando de válvulas havia quebrado e que o motor teria de ser aberto, como o veículo ainda estava na garantia, resolvi deixa-lo ali mesmo, e procurar uma concessionária em Campina Grande.
Perguntei ao suporto mecânico o que eu faria para chegar a Cajazeiras, cidade mais próxima, já no estado da Paraíba, ele me disse que para Cajazeiras naquele horário só havia um “mixto”, que deveria passar por ali a qualquer instante, não demorou, e lá vinha o tal mixto, dei com a mão e ele parou no acostamento.
O “Mixto” era um velho caminhão Chevrolet a gasolina, com cinco cabines (boléias) de madeira, apinhadas de gente, na carroçaria outros tantos viajavam misturados com toda a espécie de tralhas e bichos, me aproximo do motorista, e. .
- Tem uma vaga até Cajazeiras ?
- Claro “doutor” pode se atrepar ! Diz ele indicando uma suposta vaga no último banco.
Jogo a mala na carroçaria e tento chegar a minha vaga, antes de chegar ao lugar indicado, o motorista dá partida no “Mixto”. Finalmente consigo me sentar, o banco não tinha estofamento, só o plástico sobre as tábuas, o espaço entre um banco e outro era tão diminuto, que tive de sentar com os joelhos em baixo do queixo, minha vizinha ao lado era uma mulher gorda e suada, ela carregava no colo um garotinho de uns quinze meses, o “gury” com o calor e o aperto chorava, a mulher para faze-lo parar de chorar lhe entregou uma banana, em poucos minutos de viagem era aquele “melele”, era pedaços de bananas para todos os lados, sendo que a grande maioria caia nas minhas pernas. - Meu vizinho da direita era um velhinho tranquilo que fumava o seu cachimbo, com a “baba” escorrendo pelo canto da boca, pelo cheiro que exalava do velhinho, acho que ele havia tomado banho no último inverno.
Volta meia volta o “Misto” deixava a BR-116 (BR só no nome, pois ainda não era pavimentada) entrando em estradas carroçáveis para deixar o passageiro na porta de casa (o serviço a bordo era perfeito), digamos mais, “ De porta a porta”.
Numa dessas paradas já não agüentava mais, minha camisa estava grudada ao corpo de tanto suor, o calor perdia feio para a sucursal do inferno, então resolvi viajar sobre a carroçaria do “Mixto”, ali também era apertado, porem, corria um ventinho quando o Mixto se movimentava, com muita dificuldade vou procurando um lugar para sentar, quando vejo junto a grade trazeira do “Mixto” um caixote de madeira, rapidamente procuro sentar sobre o mesmo, antes que alguém tivesse a mesma idéia, me abanco e respiro aliviado.
Estava quase escurecendo, quando divisamos as luzes de Cajazeiras ainda ao longe, de repente alguém pede para o carro parar, era um rapaz alto, moreno, queimado do sol, cabeleira de poeta, tipo falante, autentico vendedor de “folhetos” no meio de feiras. - O rapaz já fora do “mixto”, se aproxima da trazeira do caminhão onde eu estava sentado e calmamente fala:
- Dá licença “doutor” !
- Pois não, o que você deseja ?
- Só a minha cobra “doutor” que o senhor ta sentado em riba dela !
Bem que desconfiei desde o inicio, que ninguém, quisesse sentar sobre o tal caixote. Nunca pensei em dia da minha vida fazer uma viagem sentado na “Mala da Cobra”. . .