NA BOIADA JÁ FUI BOI
ZÉ UÓSTON
Os versos são da canção Disparada, de Vandré, e Tel.
Prepare o seu coração
Pras coisas que eu vou contar
Eu venho lá do sertão
Eu venho lá do sertão
Eu venho lá do sertão
E posso não lhe agradar..
Poisé Seu Uilsom ... Esta passagem que eu vou lhe contar pro sinhô. Pouca gente ta sabendo, mas, essa agora, é qui é a histora verdadera. Mas, também já se passou tanto tempo, qui a maior parte das pessoa, já morreu, ou nem se alembra mais do acontecido.
Então, foi assim. Tudo se assucedeu-se lá pros cafundó do Espírito Santo, quasi chegando na Bahia. Eu era um pouco mais que um fedelho, nem me alembro mais da minha idade na ocasião. Não sei si o sinhô ta sabendo, mas naqueles fim de mundo esquecido por Deus, o cabra vira adulto quando ganha força nos braço, e quando perde a força é porque está ficando, ou já ta velho. A gente não contamos muito os ano de vida. É tudo calculado no mais ô menos.
Mas, intonces eu vô lhe contá pro sinhô, cuné qui eu vim pará no Rio de Janero.
Assunte.
Eu tava trabalhando de alugado na fazenda di gado di um tal doutô muito umportante na região e na pulítica. Mas não era douto de curá gente, ô di fazê ponte, nem como qui é o sinhô, qui estudo, e lê uma ruma de livro, e coisas i tais... Esse era douto de tê dinheiro, e podê, di mandá matá ô surrá qualqué disenfiliz, que ele achava que devia.
Poisé! Eu andava por lá, fazendo tudo qui mi mandava fazê. Era levá o gado, buscá o gado, concerta uma cerca, cavá buraco, i qualqué trabalho pesado.
A vida não era boa, não sinhô. Mas, eu era moço forte, e também nem imaginava outra vida melhó.
Zé Inaço era o capataz Sujeito de pouco riso, sempre de cara fechada, recebia as órde do patrão sem discuti, e passava pra gente, qui obedecia sem discuti. Mas então daí, eu tava concertando uns caibro no telhado do varandão da casa grande do patrão, e fiquei assuntando, quando ele chamo Zé Inaço promode dá umas órde.
-Zé Inácio, eu quero que você, escolha uns quatro cabras decididos, montados e armados. Amanhã bem cedo você vai com os cabras expulsar das minhas terras o velho Napoleão, e mais aquela cambada de vagabundos , mulher filhos, toda família dele. Eu quero fora das minha terras. Que é pra todo mundo ficar sabendo que eu não tolero invasor.
Pode ir, junte os cabra e volte aqui.
Zé Inaço chamou Rosendo, Mamoel Grande, e Arimatéia. Quando eles chegaro, era quatro homi montado. Arimatéia puxava um cavalo encilhado, e sem cavalheiro.
Eu tinha acabado de fazer o meu serviço, e já ia cuidar de arranja outro, antes que alguém me pegasse vadiando. Foi quando Zé Inaço parou na minha frente.
Me olhô de cima pra baixo, e pergunto já dando uma orde.
Sabe montá cabra? Sei sim sinhô.
Sabe usá uma repetição? Sim sinhô.
Então toma uma, monta aí, e vem comigo.
Na boiada já fui boi...
Mas um dia me montei
Não por um motivo meu
Ou de quem comigo houvesse
Se quisesse ou se pudesse
Porém por necessidade
Do dono de uma boiada
Cujo vaqueiro morreu
Seu Uilsom, O sinhô qui é um doutô de muitas sabenças, das leituras, das gramática i das puesia... Mas nem imagina o qui é o sujeito qui sempre esteve no chão, olhando de baixo pra cima... Sim sinhô, não sinhô...
Seu Uilson!! Quando o cabra si vê montado, olhando de cima pra baixo, empunhando uma repetição. Ah seu Uilson! Mas é uma coisa qui dá aqui por de dentro, quando a gente sente pela primeira vez o gosto do podê. Difice até de esplicá.
Boiadeiro muito tempo,
laço firme e braço forte
.muito gado, muita gente.
Pela vida segurei
seguia como num sonho
Que um boiadeiro era um rei
Quando nós cheguemos à casa grande do patrão, ele já estava esperando na varanda.
Zé Inaço apeou pra recebe as órde.
O trabalho é fácil. É pra amanhã bem cedo. Leve esse papel, que é o documento do cartório, dizendo que aquelas terras são minhas. Você vai lá, esfregue este papel na cara daquele velho safado, bota todo mundo pra fora, e toque fogo em tudo. Traga o papel de volta, que só tenho este, o outro está no cartório.
Depois pegou um maço de dinheiro, entregou pra Zé Inaço.
- Isso é pra você dá uma gratificação pros cabras.
-Pode ir.
A gente fomos saindo devagar atrás de Zé Inaço que estava calado, e calado ficou, até chegá no armazém de Onofre, que na verdade era do doutô fazendeiro, assim com tudo que tinha por lá. Plantado, ou caído, parado ou andando, de quatro, ô dois pé. Era tudo dele...
Cinco homis montado e armado, era alguma coisa que estava pra acontecer. Os pessoal ficaram curioso, mas ninguém perguntava nada.
Eu já tinha montado antes, num cavalinho pangaré que o meu pai usava no serviço, mas num cavalo bom de verdade, era a primeira vez. Sabia atirar, mas nem me alenbro, quando ou como foi qui eu aprendi. Tem coisas que parece que agente já nasce sabendo. Eu estava me sentindo importante, mas estava triste.
Mas o mundo foi rodando
Nas patas do meu cavalo
E os sonhos que fui sonhando
As visões se clareado
As visões se clareando
Até que um dia acordei
A gente apeamos calados, e sentemos os cinco em volta de uma garrafa de cachaça que Zé Inaço levou pra mesa.
Depois de uma boa talagada, Zé Inaço começou a falar, sem olhá pra ninguém. Parecia que estava falando sozinho.
-Diabo de vida que a gente leva! Vida de alugado... De a pé, ou amontado, não faz diferença. Vida sem vontade, sem opinião. É só trabalhar, trabalhar, obedecer, e nas eleição, votá no candidato qui o patrão mandá.
Olha qui eu não sou de ter pena de ninguém. Dá uma surra num ladrão de cavalo, ou expulsá uns invasô das terras do patrão, é uma coisa... Depois olhou pra gente, bem nos olhos de cada um, e continuou falando. Cumo é que a gente vai expulsá o velho Napoleão, mais a família das terras que todo mundo sabe qui é dele di verdade, e pra mais de cinqüenta anos. Eu ainda era menino, e o velho Napoleão já estava la´. A fazenda do doutô, ainda nem existia, era só mata fechada. Agora ta querendo as terras do velho, só por conta de olho d”água que tem lá . Mas é só pra botá uma cerca, i não deixá mais o gado de ninguém beber. Daí ele fica sendo o dono da água, i vai ganhando mais podê.
Eu sabia cumo era.
A minha gente também teve qui saí fugida por conta de uma roça que custo muito tempo pra formá, e adespois de formada, o fazendeiro disse que era dele, e botou a gente pra correr.
Então não pude seguir
Valente lugar tenente.
De dono de gado e gente
Porque gado a gente marca
Tange ferra, engorda e mata
Mas com gente é diferente...
Rosendo estava calado olhando pro bico das butinas. Respirava forte igual boi brabu. Dava pra senti o ódio saindo das venta,
Manoel Grande foi buscá mais uma garrafa de cachaça, Arimatéia mais eu fiquemos sentado, e tentando sustentar o olhá se Zé Inaço, que naquela hora parecia até um daqueles homis santos, beatos que cosntuma aperecer por lá, falando coisas que o povo não entende muito bem, mas que toca lá dentro do sujeito. Daí , ele só pensa em mudá tudo de lugá,e acorrigir as injustiça, assim cumo é qui é, igual a Nosso Senhor Jesus.
Manoel Grande voltou com a cachaça, encheu os copos, e virou, numa golada só.
Zé Inaço, olhou sério bem nos olhos de cada um...
Vocês tem coragem?
Arimatéia deu um risinho esquisito.
_ Homi, precisa di corage pra expulsá um velho, mais a mulhé i os filhos?
Isso não é coragem, é maldade. Eu tenho é vergonha...
- Mas não é essa coragem que eu estou falando.
-Vocês têm coragem di fazê tudo diferente, desobedece o patrão, largá tudo, e mete a cara no mundo?
Manoel Grande deu foi risada bem da escancarada.
Homi seu Zé Inaço... Eu meti a cara no mundo, ainda era um fedelho, nem barba eu tinha. –
O sinhô manda, e a gente fazemos. Não é pessoal?
Rosendo, Arimatéia, mais eu, só balancemos assim com a cabeça, promode dizê qui sim.
Cada um virou mais uma talagada, e saímos.
Zé Inaço enrolou o papel de documento, queimou, e acendeu o cigarro com ele, depois amontou e foi andando, e nós atrás, seguindo na direção da cidade, qui ficava perto de meia légua do armazém de Onofre.
A gente não estava ainda entendendo o qui ia fazê, mas, ninguém perguntava nada. Só sabia é qui estava pra acontecer, e ia mudar a vida da gente, se era pra pior ou pra melhó, a gente não estava preocupado.
Foi aí qui Zé Inaço deu as órde: Nós vai entrar na cidade atirando pra tudo qui é lado, mas sem acertá em ninguém, É só pra assustá. Depois, nós vai toca fogo no cartório, e quando acabá de queimá, a gente vai dá mais uns tiros, e metê a cara no mundo.
Daí a gente entremos atirando pra tudo que era lado. Manoel Grande, gritava, dava gargalhada de espantar, e atirava sem pará, nem o prédio da prefeitura escapô.
Eu ouvi um sujeito gritando, lá de dentro: É gente daquele doutô de merda qui ta querendo ganhá as eleição à bala!
Quando tudo acabô di queimá, não se via nem cachorro na rua, e só se ouvia os tiros que a gente dava, quando alguém metia o nariz pra fora da janela.
Quando não tinha mais nada de pé, a gente fomos embora na direção da Bahia. De lá, seguimos sertão a dentro, só parando pra comer alguma coisa, andemos durante dois dia inteiros. Só paramos na manhã do terceiro dia, num sítio que era de uns contraparentes de Zé Inaço. Promode ficá acoitado até as coisa esfriá.
Seu Ulson, ah seu Uilson! O sinhô ta pensando qui a história termina aqui, Qui termina aqui nada.
Agora o sinhô me pergunta cumaé qui acaba a história. Pergunta...
-Tá bom. Como é que a história termina?
-Então eu vou lhe contá pro sinhô.
Como eu já tinha contado, a gente estava acoitado num sítio escondido lá naquele fim de mundo. Daí, chegou a notícia que veio de boca em boca, de cidade em cidade, até chegá pra gente.
O sinhô imagina qui depois daquele rebuceteio todo qui a gente aprontô, o patrão é qui fico mais sujo qui pau de galinheiro. Como a gente era homi da fazenda dele, e todo mundo viu a gente por lá, a oposição aproveitô pra descer o pau, e acusar o doutô di tê mandado incendiar o cartório, e atirar no prédio da prefeitura. O patrão jurava qui não.mas, nem podia explicá o qui a gente estava fazendo lá, sem si cagar ainda mais. Era de enfiá o dedo no fiofó i rasgá...
E não é, qui pra completá a disgraceira, os aliados políticos foi se debandando à galope, e sepultaro a tão sonhada candidatura a senadô, qui o douto já estava até festejando.
Até Zé Inaço. qui nunca mostrava os deste, riu de se mijá, e a gente bebemos foi muita cachaça pra comemorá.
No dia seguinte, Zé Inaço dividiu o dinheiro do doutô, e cada um foi pro seu lado.
Eu vendi o cavalo, e negociei com um caminhoneiro a repetição, por uma carona até Goiás.
De lá eu fui trabalhar em Brasília, de servente de pedreiro, até ajuntá um dinheiro. Daí eu vim pro Rio de Janeiro. Comprei um terreno em Caxias, e fiz uma casinha por lá.
O douto fazendeiro, que armou tanta treta por lá, acabou pagando caro por uma qui ele não armou.
Mas, não é engraçado, seu Uilson?
É verdade Zé Uóston. Isso é que é ironia do destino
Não sei bem o qui é isso, mas, si o sinhô diz qui é, é porque é.
-Não é qui nós garramo na conversa, qui até esquecemos a hora.
Té amanhã seu Uilson.
...Na boiaaada já fui boooi...