A CANECA AMASSADA

Era aproximadamente quinze horas de uma quente tarde de verão, Samuel, o viajante solitário caminhava por aquele longo estradão deserto, rumo a tal Venda do Bento, um pequeno povoado encravado no meio do sertão e que distava a aproximadamente dez quilômetros da ultima parada da estrada de ferro, conforme lhe havia informado o funcionário da estação da ferrovia.

Deveria estar na metade do caminho, pois pelos seus cálculos, já havia caminhado mais ou menos cinco mil metro sob aquele sol escaldante quando, a margem do caminho, surgiu uma bela e frondosa árvore, projetando uma grande e refrescante sombra no leito da estrada. Samuel cansado parou por uns instantes procurando refrescar um pouco e redobrar as energias para prosseguir na caminhada com destino falada Venda do Bento. A esta altura, o sol já havia ressecado todo o seu organismo, estava com muita sede, mas pelas redondezas até então, nem sinal de uma casa por perto.

Após dez ou quinze minutos de parada, recomposto de suas energias, o homem que procurava se aventurar por aqueles locais desconhecidos, pegou a pequena valise que carregava, jogou o paletó nas costas, olhou para um lado e para o outro e botou novamente os pés na estrada. Que bom seria se encontrasse alguma pessoa ou pelo menos sinais de alguma alma vivente que pudesse dar algumas informações sobre o seu destino: A tal Venda do Bento. Mas aquelas horas do dia, parecia estar caminhando num deserto, absolto neste pensamento, eis que ouve ao longe o cantar de um galo, embora sendo criado num grande centro urbano, acostumado com a vida de mascate vendendo por este sertão afora, não teve duvidas ser este o sinal de alguma residência nas cercanias. Prosseguiu a caminhada e logo adiante, uma variante da estrada, quase um trilho, descia rumo ao riacho. Havia sinais de trafego por esta pequena estradinha, melhor seria seguir por ali, talvez encontrasse alguma casa onde pudesse obter informações mais seguras sobre o povoado que procurava e sobretudo matar a sede que lhes ressecava a garganta.

Decisão tomada, decisão correta. Após caminhar alguns metros, eis que a vegetação deixa transparecer a sua frente o telhado escuro de uma casa. O homem apertou os passos, estava no rumo certo e ao se aproximar da casa, eis que alguns cães vem latindo ao seu encontro. Com medo, mas com a certeza que não adiantaria de nada fugir daquela situação, pegou uma pequena vara que estava a beira do caminho e foi em frente.

Quando tudo parecia perdido, pois os animais que vinham ao seu encontro pareciam ferozes, uma voz gritou no interior da casa:

____ Passa banzé!

O robusto animal de pelagem negra que parecia comandar a matilha parou a alguns metros do viajante e ficou fitando-o com o olhar enfurecido quando a voz repetiu:

____ Pra dentro já, banzé!

O animal obedeceu a voz de comando do dono, recuou e com ele os demais cães que o acompanhava. O viajante foi se aproximando da casa quando um jovem adolescente veio ao seu encontro na porteira de entrada para o terreiro da modesta casa. O homem ao se aproximar cumprimentou o jovem:

____ Boa tarde garoto!

____ Tarde moço.

Respondeu o jovem sertanejo e com seu linguajar típico perguntou:

____ O Senhor deseja arguma coisa?

O viajante justificou:

____ Esta é a primeira vez que venho para cá, não conheço ninguém por aqui. Me indicaram o povoado da Venda dos Bentos, fica longe?

____ Não muito, é só vortá e seguir em frente no estradão, hora e meia o moço tá lá.

____ Obrigado, então quer dizer que estou no caminho certo?

____ Sim Senhor!

Samuel olhou para o estradão e disse ao rapaz que estava recepcionando:

____ Agradeço a sua informação, mas poço lhes pedir outro favor?

____ Claro, o que o moço tá precisano?

____ Um pouco d’água, poderia me dar um pouco d’água? Com este calor, estou com uma sede danada.

O jovem voltando o seu olhar para o lado da casa gritou:

____ Mãe! Oh mãe! Trais uma caneca d’água pro moço aqui.

Num instante aparece na porta da casa uma senhora de meia idade trazendo em suas mãos uma caneca cheia de água e se voltando para o menino diz :

____ A água pro moço, Tonico.

O menino vai até a mãe pega a caneca de água. O viajante se aproxima para receber a água e ao o olhar a senhora para cumprimentar e agradecer a água, fica aterrorizado. Uma enorme ferida toma contra de seu rosto e seus lábios estão totalmente deformados. Ao receber a caneca com água, seu pensamento se volta para aquela realidade que viu. A caneca estava impecavelmente limpa que até brilhava aos olhos de tão areada mas, será que esta mulher toma água nesta caneca?. Agora não dava para encontrar resposta, alem do que a sede era tamanha e rejeitar a água dada de bom grado seria até uma falta de caridade tanto para a senhora quanto para o garoto que o acolheu tão bem. Ao pegar a caneca nota que há um amassado na sua borda, onde sobressai um pequeno rachado, providencia divina, com certeza ninguém mais ousaria beber água naquele lugar. Desajeitado, ele pega a caneca, faz um pequeno malabarismo e bebe o precioso liquido por aquele ponto. Bebida divina! A água fresca matou a sede e ao devolver a caneca para o menino agradece novamente com um “Muito Obrigado” e o menino rindo faz um breve comentário:

_____ O Senhor é que nem a mãe.

_____ Eu, Por quê? ____ Interrogou o viajante curioso.

_____ Ela tamem só bebe água por este rachadinho da caneca.

O homem deu um sorriso amarelo, sentiu a saliva engrossar em sua boca, mas o mal já tinha sido feito, não adiantava chorar o leite derramado, o negocio era esquecer tal acontecimento e seguir a caminhada, pegou sua pequena mala, jogou o paletó nas costas e saiu, rumo a Venda do Bentos.

Maciel de Lima
Enviado por Maciel de Lima em 26/03/2010
Reeditado em 26/03/2010
Código do texto: T2161081