PACTO COM O DIABO
O português Seu Neco, já bem acaboclado e que de português tem somente alguns quase imperceptíveis sotaques, chegou na roda de prosa observando o assunto e como todo bom contador de causo, tirou o cigarro de palha que trazia atrás das orelhas, o isqueiro que trazia na algibeira, acendeu e deu uma chupada no grosso rolo de fumo, trejeito caboclo do português e as atenções voltaram todinha para ele, pois parecia estar preparando para contar um de seus causos, pois sendo um dos moradores mais antigos do lugarejo, sem trazia na memória belos causos de sertanejos que por aqui passaram.
A conversa na roda era sobre o uso abusivo do álcool por parte de alguns moradores da região. Seu Neco não tardou a meter a colher no meio da prosa, lembrou de um velho conhecido dele e que ainda hoje grande parte dos moradores, ou conheceu ou ouviu falar do velho Justino que ficou conhecido por ter feito um trato diretamente com o coisa ruim e com seu português bem Brasil, foi logo contando a historia no que a rapaziada silenciou:
“Olhem pois, aquele Justino que alguns de vocês viram pras esquinas, de coque e uivando tal qual um cachorro sem dono: Home é home, gato é um bicho. Por isso eu bebo mermo e ninguém tem nada co’isso. Na realidade trazia dentro de si uma enfermidade, a bem da verdade, incurável. Foi um homem desafortunado pelo destino, a mãe o pobrezinho nem chegou a conhecer, morreu ele era ainda neném. O pai era um cachaceiro de primeira mão e Justino, filho único, cresceu na venda, vendo o pai ser injuriado e muitas vezes escorraçado, pois quando bebia fica impertinente, e foi essa lição que a vida lhe ensinou. Com a morte do pai que aconteceu quando ele tinha por volta de treze ou quatorze anos, Justino ficou só neste mundo de meu Deus, apesar de situado, virou praticamente um mendigo vivendo na porta da venda e da compaixão dos moradores, mas tinha tendência muito forte para a bebida, herança que seu pai lhe deixara em vida. E como diz o ditado “as coisas ruins as pessoas aprendem com uma facilidade tremenda”, aos dezessete anos de idade já bebia de ficar caído por ai. Logo que vim para cá, e olha que isso faz tempo, fiquei com pena do menino e andei dando alguns conselhos mas qual o que, quando uma pessoa dá bom conselho, noventa e nove incentiva o caboclo a beber. Assim Justino foi vivendo até que um certo dia acabou cruzando no caminho de Zulmira, moça humilde, simples, filha de um pequeno sitiante lá para as bandas do formoso, mas muito sem vergonha e diziam até que abusava das filha. Verdade é que Justino acabou se engraçando com a moça até que casou mesmo com ela. Depois do casamento até que ele deu uma moderada na bebedeira, parecia ter criado juízo, só que não gostava muito de trabalhar de jeito nenhum, apesar de ter uma propriedade grande, vivia na miséria,e levando a vida na maciota, sem se preocupar com o amanhã, um verdadeiro Jeca Tatu da história de Monteiro Lobato que a gente lê nestes almanaques de farmacia.”
“Epalhou por ai um boato, não sei como o povo ficou sabendo disso, que um certo dia, já descontente com a vida de tanto ouvir reclamações da mulher que se desdobrava no serviço domestico para alimentar os dois filhos, resolveu preparar um pequeno roçado. Revoltado com a situação, passou a mão numa foice e saiu decidido a trabalhar, mas chegando no eito, deu meia dúzia de foiçada na quiçaça, o cansaço bateu, encostou a sombra de um arbusto e começou a reclamar da vida, da situação, do trabalho e até de Deus, pois se fosse verdade que Deus existisse e tão bom como dizia o Padre Evilásio, porque inventou o trabalho, por que a vida é tão difícil, assim foram surgindo em seu pensamento as mais terríveis heresias, chegando ao ponto de pedir ajuda ao diabo pois se é que ele existe, por que não vinha ajudar neste momento tão difícil e se viesse ele seria eternamente grato. Já dizia minha saudosa mãezinha, que Deus a tenha, que a todo instante passa um anjinho no céu falando amem e a nossa palavra se torna realidade, provavelmente neste instante o tal anjinho passou pelo céu. Palavra dita, palavra cumprida, e dizem que milhares de foices invisíveis tiniram no mato e em poucos tempo o roçado estava tudo preparado até alem das intenções de Justino. Boquiaberto com o que virá, o tratante retorna para casa, num misto de contentamento e de receio, mas agora com certeza a mulher não iria mais incomodar o seu descanso. Esperou o mato secar, colocou fogo e preparou uma grande área para o plantio, providenciou as sementes, aguardou com calma que lhe era peculiar, a estação das águas, próprias semear. No dia do plantio não foi diferente, chegando no roçado, olhou para o alto e bradou em alta voz com aquele que já havia adquirido certa intimidade: “Seu diabo, é Justino, tô aqui e trate de me ajudar no plantio si não num cumpro a promessa que fiz prá mecê”. Dizem que Imediatamente uma infinidade de seres do alem entraram em ação e em pouco tempo o plantio foi realizado, coisa que até a mulher duvidou, mas a natureza mostrou o resultado, quando as sementes germinaram e todos admiraram da força de vontade de Justino ao mesmo tempo que agradeciam por ele ter deixado o vicio.”
“Tudo corria bem para o rapaz, a sua roça era a mais viçosa e sua fama se espalhou por toda a região, deixando-o satisfeito, pois agora com certeza iria ficar muito rico, havia descoberto a galinha dos ovos de ouro. Ficou até soberbo o pobre homem, já não dava atenção para qualquer um, deixou de freqüentar a venda, vindo somente para comprar o necessário. Quando a roça estava com milho verde, no ponto de pamonha, querendo agradar os grã-finos da cidade, marcou uma pamonhada em sua casa, chamou o seu delegado, o prefeito, médicos, doutor advogado e pessoas influentes da cidade grande. Dia marcado, todos chegaram na casa do Justino, foi uma grande festa.”
“Orgulhoso de sua fama, Justino colocou o cavalo na carroça e foi para a roça colher milho. Não deixou que ninguém fosse com ele, pois já tinha uma ajuda que ninguém conhecia: o diabo. Chegando na roça, como sempre, pediu ajuda ao alem:
__ Seu Diabo, sô o Justino. Vim coiê mio-verde, trate de mi ajuda qui os vagabundo da cidade tão lá em casa doido pra enche o bucho.”
“Mal acabará de falar, as diabadas entraram roça adentro apanhando as espigas de milho. Quando percebeu e erro que havia cometido, pediu para pararem com a quebra de milho mas tudo foi tão rápido que em segundos não havia sequer uma espigas de milho nos pés, tudo estava apanhado e por conseqüência a lavoura perdida. Atônito diante da realidade que presenciou Justino desde então voltou a beber e nunca mais quis sequer ir para o roçado e quando apertava ele para trabalhar, resmungando respondia:
__ “trabaia, num vale a pena.”
“ E assim foi vivendo até morrer”, arrematou o português.