DEUS É BOM

Negro Justino foi criado dentro da casa grande, sua mãe foi ama de leite de Afonso, Filha da Sra Adelaide e herdeiro de toda a fortuna dos Fontanelas e que se tornou um homem poderoso, rude, muito conhecido na região não só pela riqueza, mas também pela crueldade com que tratava seus escravos. Justino porem, era tratado com muito respeito e consideração, e embora escravo, era praticamente um homem livre, tinha suas instalações dentro da casa grande, onde podia ir e vir quando e onde bem entendesse inclusive à mesa junto com o coronel e seus familiares. Justino era tido como um irmão e estava sempre junto, participando da vida do fazendeiro, nunca era intimado a participar, mas sempre convidado a acompanhá-lo em suas aventuras mata adentro e só tinha uma coisa que intrigava o patrão, era o fato de que o negro era muito religioso e constantemente vivia trelendo com a libertinagem do Coronel, sempre retrucando:

_________ “Deus é Bom”.

O Coronel sentia ate arrepios e enjôos quando Justino começava a falar de seu Deus, mas apesar da aversão a religião, não conseguia sequer fazer um caçada sem a presença do irmão de leite. Certa vez, planejou uma caçada a uma danada que já havia devorado alguma cabeças de gado em uma de suas fazendas encravadas no meio do sertão. Logicamente no planejamento estava a presença firme do Negro Justino, seu braço direito nestas horas não podia faltar, pois alem de representar segurança, era o que cuidava da cachorrada e que com toda certeza, iria estar ao lado do irmão para protegê-lo de qualquer ataque da pintada.

Caçada marcada e no dia estipulado, lá se foram, o coronel Afonso, O Negro Justino, os cachorros e alguns escravos para carregarem a tralha. A Certa altura , os cães levantaram a onça no meio da mata. Acuada a pintada avançou, primeiro sobre os cães, que exímios caçadores não deixaram se ferir pela fera, que num assalto investiu sobre o cavalo do Coronel, porem o Guardião Justino, num relance, atirou, fazendo o animal deitar na fumaça. Apesar da rapidez e pontaria, no ataque o coronel acabou perdendo o seu dedo minguinho , foi socorrido pelo negro ali mesmo, enfaixou o braço, colocou numa tipóia improvisada e cuidou para que ele voltasse para casa, onde chegou lastimando a vida, quando o humilde negro disse mais uma vez:

_________ Carma Coroné, Deus é Bom

O Fazendeiro retrucou dizendo que se Deus fosse bom mesmo, não teria permitido que ele perdesse o dedo da forma com que perdeu e hoje não seria um homem aleijado, porem o nego insistiu mais uma vez:

_________ Deus é bom

Irritado com a conversa, sentido-se ferido em sua dignidade, irou contra o Negro e esquecendo o passado, da amizade e tudo mais, mandou que o capataz o prendesse na senzala e de lá não soltasse nunca mais, para que o negro aprendesse e tivesse consideração com ele. Mas Justino ainda retrucou:

_________ Mas que Deus é bom, é!

Passaram-se alguns meses e o Fazendeiro saiu em suas visitas rotineiras a fazendas que possuía sertão adentro só que desta vez sem a amigável e fraterna companhia de Justino. Numa de suas trilhas, foi emboscado por índios canibais, que capturando-os e levando-os para a oca, preparam uma festança, pois não era sempre que tinham um homem branco no cardápio. Assim todos os índios a redor da fogueira, aguardaram pacientemente a chegada do Pajé. Era ele quem examinava a presa que, se tudo estivesse tudo perfeito, permitir o ritual de oferta e posterior banquete.

O Pajé ao chegar examinando o homem logo observou que lhes faltava um dedo, indignado, passou uma correção nos índios e mandou que soltassem o homem, juntamente com um dos negros da comitiva que também havia sido capturado, pois este faltara um pedaço da orelha, assim os dois foram libertados. Isto levou o fazendeiro a refletir nas palavras de Justino: “Deus é bom” e não é que o negro estava com a razão, pois se não fosse a onça comer o seu dedo mínimo, a esta altura já estaria sendo devorado pelos malditos selvagens.

De volta ao lar e arrependido do que fizera com Justino, coisa que não era do seu feitio, deu ordens para que soltassem o Negro da Senzala e o trouxessem a sua presença. Pediu desculpas a seu modo e narrou a história, sendo que ao findo desta o negro repetiu emocionado

________ Pois não é! Deus é Bom meu coroné.

O Coronel, redimido de sua culpa e agora com calma e ponderação, encafifado com mais esta colocação de Justino, questionou-o

________ Por causa desta sua mania de dizer Deus é Bom, eu perdi as estribeiras e o coloquei na senzala onde ficou meses preso, mas este seu Deus que você tanto diz que é bom, permitiu que a raiva tomasse conta do meu coração e o mantivesse preso por todos este tempo e depois de tudo isso, você ainda diz que Deus é Bom. Por quê?

Calmamente o Negro ponderou:

________ Quem os bugres teriam comido, se eu estivesse com coroné? Sou um Negro sadio, perfeito, não me falta parte alguma. Deus é Bom, meu coroné!

Maciel de Lima
Enviado por Maciel de Lima em 07/03/2010
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