A CADELA PERDIGUEIRA
A CADELA PERDIGUEIRA
A morte do Jovem Jerônimo foi um acontecimento que chocou a todos da região e todos os moradores foram no seu guardamento. Apesar do acontecido, a noite estava agradável, lá num canto do terreiro, o Zé Prego, carpinteiro do lugar dava os últimos retoque no caixão, na casa a mulheres se revezavam em consolar a mãe do morto e procuravam não deixar faltar chás e café para os amigos, num outro canto, iluminados pela luz de um lampião de querosene, uma roda de amigos que tinham algo em comum: a caça. Para passar melhor a noite, entre os goles de cachaça, os loroteiros relatavam suas façanhas, contando estórias fabulosas, cada uma mais impossível do que a outra, mas todos ficaram em silencio e atentos quando o conhecido loroteiro Totonho da Sinhana puxou a sua a estória.
Disse ele: “ Moçada , tive uma cadela perdigueira tão boa, mas tão boa e caçadeira que nunca mais ei de esquecer em minha vida. Vejam só, preste atenção no que conto agora. Certa vez fui visitar um compadre que morava lá pelos lados de Campos Novos, como era um distancia considerável, resolvi ir a cavalo. Arriei a minha mula marchadeira que tinha o nome de Nobreza e a cadela ficou toda assanhada quando peguei a espingarda cartucheira, pois num encontro com compadre dias anteriores, fui informado que por aquelas bandas estava dando muita codorna e perdiz e com certeza, conhecendo o compadre bem, ele não iria perder um domingo de caça. Como a viagem era longa e deveria demorar por volta de umas seis horas na marcha, seria muito cruel levar a cachorra comigo, pensando assim, resolvi que ela ficaria em casa com a patroa. Cadela amarrada, despedida da esposa e filhos, e lá se foi o Totonho da Sinhana para um belo final de semana, pois alem de rever o compadre, com certeza, faríamos juntos uma bela caçada. Depois de mais de quatro horas de viagem, parei as margens de um riacho para descanso do animal e, para meu espanto, escuto um respirar forçado, olho para a estrada e vejo a cadela perdigueira chegando, com certeza algum dos meninos haviam soltado e ela, pelo faro, havia me seguido , indo me encontrar já longe de casa.
Ao me encontrar ela fez uma festa, dei mais alguns tempo de descanso, montei na mula e prossegui a viagem desta vez em companhia da cachorra. Já no final do dia cheguei a casa do compadre Antenor e foi só alegria, conversa vai, conversa vem, fomos dormir altas horas da noite, embora pretendêssemos levantar no outro dia bem cedo para a caçada, mas madrugar, uma vez por outra não faz mal para ninguém, assim, no domingo, os sinais da aurora mal brotavam nos céus, do lado do poente, já ouvi barulho de gente andando pela casa. Era a comadre que já estava preparando o café da manhã, assim, tratei também de me levantar para, junto com o compadre fazer os preparativos para a caça. A cadela Perdigueira, ficou alegre e não distanciava de nós talvez por medo de ser deixada para trás outra vez.
Saímos de casa bem cedinho e após caminharmos um pouco, chegamos a uma palhada onde realmente a caça era abundante mas, não sei como isso aconteceu, a cachorra desapareceu, chamei-a pelo nome duas ou três vezes, “Lilica, Lilica” mas que nada, nem sombra da cadela. O Compadre ainda comentou
______ Talvez alguma onça a tenha comido! _______
Mas ele sabia que ali não existia onça e depois brincou:
_______ Ou ela achou algum namorado por estas quiçaças.
Brincadeiras a parte, a realidade é que ela não apareceu, já era tarde e voltamos para casa confiando no faro aguçado da perdigueira. A caça foi otima, e o resto da tarde foi só alegria, pernoitei na casa do compadre e na segunda feira bem cedo, arriei minha mula e botei os pés na estrada. Da cadela, nem sombra, somente uma vaga esperança, talvez pudesse ter voltado sozinha, Mas o que levaria a isso? Verdade é que cheguei em casa e em sombra da cachorra
Passou-se um bom tempo, talvez uns dois anos ou mais, tive a oportunidade de voltar a casa do meu compadre, novamente, mas já nem pensava na cadela. Fomos caçar como de costume e qual o que, de repente encontrei a ossada de uma perdiz e no que olho um pouco mais adiante, lá estava a ossada da Lilica, ainda em pezinho, ela tinha “amarrado a caça” e estava pronta para atacar, aguardando as ordens do caçador.”
Terminada a história, alguns fizeram um ar de riso malicioso, outros saíram de fininho sem dar de perceber e o loroteiro ainda arrematou:
_______ “Cachorra como esta nunca mais possuí em minha vida”.