O PANGARÉ
Um pouco retirado do povoado morava Abelardo, homem rude do campo, nascido e criado na roça, era um labutador, trabalhava de sol a sol e não tendo medo do serviço, é como diz o velho ditado popular “Deus ajuda, que cedo madruga”, conseguiu guardar alguns cobres e comprar sua pequena propriedade onde vivia com a esposa, a bela Dona Dináh e os dois filhos do casal, o Antonio de dez anos e o Daniel de apenas oito anos de idade. Eram felizes e a esposa era um exemplo de mulher, embora muito elegante e sensual, era fiel ao esposo e sempre que tinha alguns festejo no lugar, se fazia acompanhada dele.
Acontece que a alguns quilômetros da casa de Abelardo morava um de seus compadres, o Clemente, um gaucho muito bom, tinha um grande propriedade, não chegava ser uma fazenda, mas era bem situado na vida e caprichoso, seus animais eram de primeira linha. Apesar de bem sucedido na vida, tinha um defeito, era um homem muito mulherengo e sua fama era conhecida em toda redondeza pois vivia na região correndo atrás das mulheres da vida.
Por ironia do destino, Clemente se interessou pela comadre Dináh, e vivia negaceando um tempo para encontrá-la sozinha pelas quiçaças, o que era muito pouco provável visto que a jovem senhora saia muito pouco de casa e quando saia, estava sempre acompanhada do marido e dos filhos. Certo dia, aos passar em frente a casa do sitiante, observou que o velho pangaré do compadre não estava no pasto e deduziu que o marido havia saído, provavelmente ido até o povoado para fazer compras. Sem pensar duas vezes, resolveu chegar até a casa do compadre com o firme propósito de passar uma cantada na comadre Dináh.
Como na casa de todo bom caboclo ao chegar já foi recepcionado pelos cães que vieram ao seu encontro latindo. Dona Dináh, como era de se esperar, veio logo a porta ver o que estava se passando e encontrou o compadre Clemente já apeando do majestoso cavalo manga larga, muito bem arreado e do qual se orgulhava muito.
Depois dos cumprimentos de praxe, o gaucho perguntou pelo compadre na intenção de se certificar de que havia ido mesmo ao povoado, o que foi confirmado pela comadre, que, após vacilar um pouco mas, sem malicia alguma, acabou convidando o compadre para entrar. Desta forma tudo levava a crer, na mente doentia de Clemente, que a sua empreitada estava dando certo, e com certeza a comadre estava cedendo e dando a oportunidade que esperava. Após algumas conversas informais, tipo “como estão as crianças?”, “ ... e a comadre, como vai?”, Clemente foi dando formas a imaginação e lentamente envolvendo a Dináh, com elogios que chegaram a deixar rubro o rosto da bela mulher.
A anfitriã já estava para expulsar o intruso de casa, pois jamais seria condizente que as asneiras que o compadre estava dizendo, quando o esposo chega de volta do povoado. Aliviada com a chegada do marido, um forte dilema toma conta de sua mente: se contar para o esposo as investidas do compadre, provavelmente sairia uma briga ali, o que não seria de bom agrado e alem do mais, o boato, sabe-se lá de que jeito, iria espalhar pelo bairro. Por outro lado, calar seria dar esperanças para o sem vergonha procurá-la outra vez, assim, o negocio era passar uma bela lição no malandro para ver se ele toma jeito, num ar de felicidade, ela se dirigiu ao marido dizendo:
_______ Abelardo, meu bem, que bom que você chegou, Compadre Clemente veio ti procurar. Imagine só meu bem, ele quer trocar o diamante por esse belo cavalo arriado.
Clemente, muito desapontado com a chegada do compadre, receosos de que as suas intenções fossem reveladas ao compadre, observa atento e conversa da comadre e não entende o propósito, mas permanece calado e Abelardo, alheio a tudo, é quem faz uso da palavra.
_______ Ohh compadre!, mas o meu burrinho está velho, já não agüenta serviço nenhum o coitado! Alem disso, o seu cavalo vale uns cem contos de réis e o meu, nem dez e já vou avisando, não tenho como voltar nada.
Ele ainda falava quando a mulher, vendo que podia perder esta chance de dar uma boa lição no compadre malandro, interrompe:
_______ Pois é meu bem! eu já disse para ele mais, ele insiste na troca e ainda dá 50 contos de réis de volta. Não é compadre?
Clemente, desapontado com a falência de seus planos, porem aliviado pelo fato de não ser delatado pela comadre, sem perceber na arapuca que havia se metido, para não dar o braço a torcer, manteve firme na sua proposta e respondeu meio gaguejante:
_______ Pois é compadre, e, e, eu confirmo o que disse pra comadre. Abelardo não entendeu a atitude do compadre, trocar seu pangaré por aquele belo animal e ainda de volta 50 contos de réis, mas desejo é desejo e era um ótimo negócio com certeza. Sem mais delongas por parte do anfitrião, tomaram café junto e, após conversarem um pouco, observados de longe pela comadre, Clemente sem entender direito o que havia acontecido, meteu a mão na guaiaca, retirou cinqüenta contos de réis, entregou para compadre, despediu, voltou para casas de cabeça baixa, levando arrastado pelo cabresto, o velho burrinho Diamante e nunca mais voltou a perturbar a bela comadre.