A SURRA
Chico Bicudo era um sujeito muito conhecido na região e não gozava de boa reputação, não por ser uma pessoa de má índole e sim pelo péssimo habito de viver emprestando ferramentas para o trabalho e não as devolvendo sem que o dono fosse buscar. Chico vivia de trabalhos diversos, ora perfurando poços, ora construindo ranchos, roçando pastagens, empreitada no corte de lenhas e assim por diante.
Certa vez combinou uma pequena empreitada: o Corte de alguns pés de eucalipto de um sitiante da região, serviço para uns quinze dias, porem quando foi verificar seu velho machado, vale lembrar que naqueles tempos não existiam as moto-serra, deparou com o mesmo todo enferrujado, sem corte e sem cabo. Preparar tudo daria uma trabalheira danada, o negocio era emprestar, como de costume, o machado de algum vizinho, afinal de contas todo sitiante tem um machado guardado em casa. Foi ai que se lembrou do velho Jeremias, sabia que ele tinha um senhor machado e prestimoso como era, com certeza estaria bem encabado e afiado e lá se foi o Chico Bicudo matutando que afinal de contas para que ele quer um machado, já esta de idade e não fará mais serviços pesados.
Depois de chegar na casa do velho Jeremias, conversa vai, conversa vem Chico tocou no assunto:
__ Sei que o Senhor tem um bom machado, pequei uns pés de eucaliptos para derrubar lá pras bandas da Barra Bonita. Minha ferramenta precisa ser levada na cidade para encabar e afiar, como é empreitada pequena, pensei que o amigo pudesse emprestar o seu machado. Uma semana só, nada mais que isso, e estou trazendo de volta.
O Velho Jeremias, homem sistemático e que gosta de manter suas ferramentas de trabalho bem cuidada e este era o machado de picar lenha, hesitou um pouco porem, como era por pouco tempo, embora com receio da proposta do famoso Chico, acabou por ceder aos seu pedido e emprestou, por apenas uma semana, o machado e ainda alertou para que devolvesse mesmo em uma semana pois o machado era de uso na casa.
Lá se foi o Chico, levando garbosamente o machado nos ombros, mas passou-se uma semana, duas semanas, três meses e somente as uns seis meses depois Chico, como por milagres pois não costuma devolver as ferramentas emprestadas, apareceu na casa do velho Jeremias com o machado de volta.
O velho e espirituoso Jeremias ao ver o machado, arranca o cinto da cintura, pega o machado pelo cabo e dá-lhe uma bela surra de cinto, e ao mesmo tempo vai dizendo de propósito para o Chico escutar:
__ Ah seu sem vergonha, agora você volta desenxabido, não sabe que tem serviço a fazer aqui em casa não!, Como ousas ficar na casa dos outros todo esse tempo! Não sabes o caminho de casa não, como que pra ir achou caminho, agora pra voltar esquece, seu excomungado do diabo!
Chico em pé no terreiro assiste todo aquele o ataque de histerismo do velho Jeremias contra o machado. Verdade é que Chico Bicudo nunca mais voltou a emprestar ferramenta do Velho Jeremias.