A ILHA DO RIO ARINOS.
A ILHA DO RIO ARINOS
Em direção ao poente, lá vamos nós, eu e Onésio meu cunhado.
Eram três horas da tarde com o brilho do sol em nossos rostos. Mais uma viagem à Cuiabá. O motivo vocês já sabem o que é...
Era mês de setembro, mês de alegrias, boas pescas, tempo de caju, pequi e outros frutos do cerrado. Na certa iríamos encontrar vendedores desses frutos na estrada. Já havia algumas horas que tínhamos saído e o sol já estava bem em nossa frente. Onésio com óculos escuros tentava se proteger do brilho intenso.
Uma parada para passar água no rosto, ir ao banheiro, ir ao bar e tomar um refrigerante.
Após alguns minutos de descanso e de novo estávamos com o pé na estrada. Onésio colocou uma fita de música sertaneja e tentava acompanhar a cantoria. Às vezes até eu cantarolava também um pouquinho.
À noite chegou depressa. O movimento era pouco na estrada, pois de vez em quando alguns caminhões, ônibus, camionetas passavam por nós. Não estávamos com pressa, qualquer hora para chegar era boa.
Chegamos a Aragarças, passamos devagarzinho sobre as pontes dos rios Araguaia e Garças, felizes cidades ribeirinhas. Do outro lado estava a movimentada cidade de Barra do Garça. Bares cheios, vida noturna agitada. Não paramos e logo estávamos fora da cidade. Andamos umas duas horas e vimos em nossa frente vultos de pessoas que pareciam estar com armas na mão, pegaram alguma coisa e colocaram na carroceria de uma camionete. Apagamos os faróis do carro ficamos observando parados, com medo e imaginando o que poderia ser aquilo!
Colocaram um corpo?
Eram assaltantes, ou eram índios caçando?
Ficamos com a terceira hipótese e aproximamos mais. Graças a Deus estávamos certos, cumprimentamos os felizes índios que gargalhavam por causa da boa caça que fizeram. Havíamos até pensado em retornar, mas valeram um pouco a fé e a coragem.
Mais cantorias pela estrada e quatro horas da manhã já estávamos na porta da casa de Mano Véio.
Os cachorros vieram nos receber no portão com a sua linguagem própria, mas depois nos reconheceram. A prosa foi pouca com os familiares e fomos dormir, para de manhã emendarmos a conversa.
Dormimos como duas pedras. Acordamos oito horas com o cheiro de café e pão de queijo.
Que delícia!
Uma rápida higiene matinal e depois fomos ao ataque dos quentinhos e deliciosos! Preparar a tralha, arrumar o barco no carro, comprar iscas e mantimentos era a nossa próxima atividade para então seguir em direção ao norte do Mato Grosso.
Rio Arinos com rio dos patos. Pantanal fica para outra vez. Lá é o local das grandes matrinchãs, trairões e cacharas. Pegamos mais dois pescadores cuiabanos e sua sobrinha que era amiga do proprietário das terras onde íamos pescar. Tínhamos que ter autorização para poder
entrar. Já havíamos pescado lá há dois anos atrás e tínhamos muitas e boas lembranças. Cinco pessoas na camionete mais a tralha, ainda assim foi uma viagem confortável, para vencer os mais trezentos quilômetros. O asfalto estava em boas condições apesar de um trecho de estrada de chão fora da estrada principal que dava acesso à Fazenda do “Bóia Fria” apelido do proprietário desta e de mais duas na mesma direção.
Canaviais dos dois lados com muitos cortadores de cana, em atividade sendo que alguns pareciam crianças que estavam nos observando. Andávamos devagar porque logo a frente estava a primeira barreira com guardas armados.
Identificamos-nos como conhecidos e seguimos viagem.
Comunicaram pelo rádio e na segunda barreira já estavam sabendo que íamos para a ilha do Rio Arinos.
Paramos na sede principal onde havia um conjunto de casas dos trabalhadores da fazenda. Deixamos a Cuiabana na casa de um parente seu, e como já estava escurecendo resolvemos fazer pousada por ali. Tinha bastante conforto. Luz elétrica, banheiro, TV, uma bela janta com peixe frito e ao molho. Quartos para dormir. O cansaço fez pesar o sono que nem vi a noite passar. Quando acordei o pessoal estava terminando de tomar o café. Após a higiene matinal tomei rapidamente o café e embarcarmos para embrenhar na floresta.
É a palavra correta, pois andamos trinta quilômetros mata adentro, várias vezes tivemos que trabalhar a nossa trilha tirando os galhos que impediam nossa passagem.
Ouvia-se urros de bugios, canto dos pássaros, cheiro de animais, rastros parecidos com patas de onça que só de pensar dava medo. Mas o companheiro que foi
conosco disse que não havia perigo, apesar de eu achar que até ele também tinha medo. Tudo isso fazia parte da aventura.
Até que enfim chegamos à beira do rio. Dois cajueiros carregados de frutos verdes e maduros, uma tapera com dois barcos dentro e tambores de gasolina. Estes eram para abastecer os barcos. Logo enchi duas sacolas de plásticos com deliciosos cajus. Outros foram tomar um gole da branquinha tendo caju com sal como “tira gosto”. Não resisti e tomei também duas talagadas com rodelas de caju. Até àquela hora não havia bebido nada e achei que era o momento.
Arrumamos nossa tralha em dois barcos e descemos o rio em direção ao acampamento da ilha. Bastantes corredeiras e pedras. Navegamos alguns minutos e a élice do nosso barco bateu em uma pedra, mas logo verificamos e demos graças à Deus por não ter sido nada grave. Continuamos viagem, e é bom dizer que estávamos prevenidos, porque tínhamos élices sobressalentes caso fosse preciso trocar.
Meia hora depois, ei-la: Estávamos na ilha dos rios Arinos e dos Patos. As águas do Rio Arinos são mais escuras que as águas do Rio dos Patos. A águas deste é bastante transparente, e descem sem se misturarem por aproximadamente uns cem metros e depois sim se unificam.
A ilha é pequena, mas possui bastante conforto para pescadores que não são exigentes.
Desembarcamos e naquele momento estava de saída um grupo de quinze pescadores felizes por terem passado uma semana no local. Foi muito bom pois ficaríamos mas a vontade com a ilha só para nós. Fomos muito bem recebidos pelo “Velho”. Este era seu
apelido, pois era um senhor idoso já de barba branca, magro e se mostrava muito feliz com a nossa chegada; o outro anfitrião era o “piloteiro” com o apelido de Didi, por parecer muito com o comediante Renato Aragão. Seu sonho era ajuntar bastantes latinhas de cerveja, vender e comprar um ônibus e voltar para sua terra natal no Ceará. Sem mentira de pescador, mas tinha um monte de uns dois metros de altura por uns dez de diâmetro que seria acrescido com mais as seis caixinhas de doze unidades que havíamos trazido.
Subimos para o rancho cumprimentamos os saintes e agora sem pressa, fomos desembarcar nossa tralha, guardá-la no alojamento com boas camas, janelas protegidas com telas mosquiteiro, uma mesa enorme no centro do rancho com bancos de madeira, uma cozinha abarrotada de todos os tipos de alimentos e bebidas, além de vinhos, cervejas, frutas, legumes, biscoitos, azeitonas, palmitos, etc.
Estava pronto um enorme pernil suíno e duas matrinchãs assadas. Após tomar algumas latinhas de cerveja e uma deliciosa refeição, subimos o rio para uma rodada e tentar pegar algumas matrinchãs. Depois de alguns quilômetros e começamos arremessar os anzóis com pedaços de coração de boi. A recomendação era se houvesse engarranchamento, deveria cortar a linha imediatamente, pois havia muitas corredeiras, galhos e pedras. Mano Véio e os demais companheiros já haviam fisgado umas seis e eu nenhuma como o agravante de que já estava com três anzóis perdidos nos garranchos. Não gostei desta rodada. Em frente à ilha, resolvi desembarcar. Eles continuaram descendo. Tomei uma dose de uísque para acalmar e uma latinha gelada e fui para a prainha na ponta de cima da ilha para tomar um banho.
O local era belíssimo, com grandes árvores, uma pequena praia repleta de borboletas coloridas, muitas pedras ovaladas na beira do rio, umas branquinhas, outras com desenhos feitos pela própria natureza. Separei algumas para levar, mas lamentavelmente acabei esquecendo. Foi bom, pois elas continuarão no seu lugar por toda a eternidade! Depois de dar alguns fantásticos mergulhos voltei ao acampamento, tomei outra latinha e fui pescar na parte de baixo da ilha.
O dia passou lentamente, céu sem nuvens, sol brilhante. Um bando de araras azuis voava fazendo a maior algazarra enquanto os periquitos devoravam as frutinhas de uma árvore bem próxima de onde eu estava, igualmente fazendo grande festa.
Foi muito bom este primeiro dia, bastantes piaus foram fisgados na ceva, dava uma boa fritada.
O sol já estava avermelhando o horizonte e eu voltei ao rancho. Peixes de todos os gostos. Frito, assado e ao molho. Muita prosa, alegria, jogo de baralho, mais algumas anzoladas à noite e algumas jurupocas e mandis.
Noite quente, o céu com milhões de estrelas, apenas de madrugada é que podíamos sentir uma brisa fresca. Ao amanhecer já nos sentíamos preparados para começar tudo outra vez. Desta vez fiquei na ilha, pois minha intenção era fisgar alguns piaus na ceva de soja e milho. Levei um puçá, pensando que poderia pegar algum peixe grande. Em algumas horas o viveiro tinha uns vinte. Usava iscas de minhocaçu. Um puxado forte e macio arrastava a linha fazendo chiar a fricção, zero trinta e cinco milímetros, não tinha tanta resistência. Chamei o Ceará para descer no barranco e tentar pegar o peixe com o puçá, após uma boa briga estava com o belo exemplar de mais de oitenta centímetros este ia ser o nosso jantar.
Os mosquitos me incomodavam, resolvi então passar no corpo óleo de soja com essência de eucalipto. De repente uma nuvem escura vinha a uns dois metros de altura do rio em minha direção. Uma abelha africana zumbiu no meu ouvido, parecia me alertar que suas companheiras estavam chegando. Bem depressa peguei um sabonete e mergulhei, passei areia e ensaboei para retirar o óleo e o cheiro do eucalipto enquanto isso as abelhas iam se afastando.
Foi um grande susto!
Eu já fizera antes essa experiência com o óleo no rio Araguaia e nada acontecera.
Deixei a vara com o molinete de “pinda” nas galhadas e um peixe havia puxado para o fundo, mergulhei e senti que estava fisgado, mas não deu para tirar, pois havia se enroscado; ainda bem que salvei a vara com o molinete.
Depois de um belo e agitado dia voltei ao acampamento para prosear com os companheiros. Depois de saborear várias latinhas e um delicioso molho de pintado com arroz, a turma foi jogar baralho, enquanto eu preferi estar no pequeno cais pescando uns mandis e jurupocas.
O “Velho” havia saído de barco para tentar matar uma paca para o almoço. Não escutamos nenhum tiro, parece que não era dia do caçador. Passou a noite, amanheceu o dia, já eram nove horas e nada do “Velho” aparecer.
Ficamos preocupados!
Dois companheiros desceram a sua procura. Ao meio dia ouvimos o som de motor subindo o rio, haviam encontrado o “Velho”. Ele havia deixado o barco mal amarrado, a corda se soltou e o barco desceu. Mas graças a Deus ele estava bem e o barco foi resgatado.
Mais um dia de ótima pescaria foi finalizado.
No dia seguinte bem cedo deveríamos retornar.
Depois da janta fomos organizar a tralha para a viagem. Logo cedinho após o café, despedimos do “Velho” e do “Ceará”, e subimos o rio. Eu, como sempre, de olho nas paisagens que iam sendo gravadas em minha mente.
A viagem foi tranqüila de retorno a Cuiabá.
No outro dia Onésio e eu em direção a Goiânia, seguíamos cantarolando e falando da bela e inesquecível pescaria. Estava dividido entre duas saudades, um da ilha do Rio que não sabia quando iria voltar por lá e a outra da minha família que estava a minha espera.