O Silêncio dos Bigatos
O dia estava chuvoso naquela quinta-feira, meus amigos!
Recolhi minhas bagagens e, bravamente, rumei para os confins do Estado, mais precisamente para a gloriosa Botucatu!
Antes, porém, devo retroceder algumas horas para que a história tenha sentido.
Estamos em Campinas, a mais prodigiosa cidade do Universo!
Era um típico dia entediante férias nesta linda cidade quando, ao pegar carona com meu irmão, ele me entrega uma notícia que quase me faz cair no chão!
A senhora da imobiliária pela qual alugo meu apartamento, a estimada Dona Neísa (conhecida num círculo de poucos como a “Pantera de Botucatu”) havia informado que minha presença lá era urgente. Urgente? Urgente.
O motivo? Um odor estranho. Um cheiro esquisito. Um fedor tão forte que seria capaz de murchar as mais belas e resistentes flores!
“Meu deus!”, exclamei.
Os mais bem informados sabem que a Caprioli, a pior empresa de transporte rodoviário do hemisfério sul, oferece apenas dois horários para os viajantes que desejam ir a Botucatu. Seis da manhã ou seis da tarde.
“Vou às seis da manhã”, conclui, pois a Pantera havia dito que, caso eu não estivesse lá com urgência, a Vigilância Sanitária seria acionada e arrombaria meu estimado apartamento.
Agora, comece a fazer as contas: às seis da manhã, hora da saída de Campinas, eu já estaria acordado há 18 horas.
“Vou dormir no ônibus”, o ingênuo pensou.
Heroicamente embarco para a segunda mais bela cidade do Universo.
Acomodo-me em minha poltrona e, instantes depois, uma senhora senta-se no banco da frente portando dois espécimes de humanos que tinham, no máximo, 8 anos. Somados. Sim, dois pentelhos que não se comunicavam. Eles gritavam.
Dormir na viagem foi, logicamente, uma tarefa impossível.
Pois bem. Chego em Botucatu às dez, mesmo número que pago ao taxista para me transportar à minha casa.
Ao me aproximar do portão do prédio, sinto um odor estranho e extremamente agressivo às celulas olfativas. Como a lixeira fica ao lado da entrada, torci que cheiro estivesse saindo dali. Ledo engano.
A intensidade do fedor era inversamente proporcional à minha distância da porta do apartamento.
Assim que entrei, quase desmaiei. Cheiro de carniça, de carne putrefata, de boi que há muito tempo não era mais boi.
No ato eu tentei ascender a luz, inutilmente, já sabendo que a origem do mal residia no fato de a conta de luz não ter sido paga e os camaradas da CPFL terem cortado a energia.
Neste momento eu estava na sala. De imediato eu olho para a cozinha e vejo a porta da geladeira não aberta, mas sim escancarada.
Cuidadosamente eu me dirijo à cozinha, lutando contra o bafo do demônio no caminho. Assim que olho para a geladeira, a visão do inferno: Dezenas, não! Centenas, não! Milhares de bigatos, aqueles pequenos vermes nojentos e asquerosos.
Os diminutos seres vermiformes se rastejavam e pareciam se divertir no local que antes era um congelador. Eu tenho certeza que vi dois ou três deles rindo da minha cara.
Comecei a pensar em minhas alternativas. Primeiro, tirar as minhocas devoradoras de carne dali. E quanto a isso não havia segredo: era pegá-las e colocá-las num saco de lixo.
Efetuei a tarefa com classe e dignidade. O pior momento ocorreu quando fui remover o que antes era um saco de patinho moído congelado. Não havia mais patinho moído congelado, havia bigatos não moídos e descongelados. Só percebi que o saco estava furado quando vi os bigatinhos caindo no chão da cozinha. Maldita gravidade, logo pensei.
Mas, enfim, consegui desabrigar as larvas. O próximo passo era me livrar do cheiro extremamente desagradável que habitava a ex-geladeira.
Lavei 23 vezes as mãos, peguei a carteira e parti em direção ao supermercado em busca de produtos de limpeza.
Parêntese: Mais ou menos 11:30, ou seja, 23:30 acordado.
Atrevo-me na seção designada. Dois litros de álcool, um litro de um tal de desinfetante “potente” Sanol, outro de Ajax "sabor limão", outro de Veja “para limpeza pesada” com cloro, água sanitária de marca que não me recordo.
Eu estava armado e pronto para o combate.
O campo de batalha cheirava pior que um matadouro de porcos, mas eu estava determinado.
Ataquei com duas mãos o reino da fedentina. Esfreguei uma, duas, sete, oito vezes os resíduos e dejetos deixados pelos parasitas.
Após isso, esfreguei o chão, utilizando todos os produtos que adquiri, ao modesto preço de R$ 50,00.
Após a luta, não tinha certeza se o odor havia passado ou não. Eu não sentia mais o cheiro, mas poderia ter acostumado com ele, de tanto respirá-lo. Aliás, se posso adicionar, hoje eu realmente penso, olhando em retrospectiva, que eu passei a gostar do odor larvo-carnal que residia no recinto. Nem Freud explica.
Saí, fui na lan-house, para ter certeza que meu nariz não estava me traindo.
Uma hora depois eu retorno e, pasmem! Ainda podia sentir a essência das trevas. Esfrego mais duas ou três vezes, e dá-lhe álcool, Veja e Ajax.
Parêntese: Mais ou menos 15:00, ou seja, 27 horas acordado.
Percebo que o cheiro diminuiu drasticamente de intensidade. O motivo, creio, foi a limpeza que executei, com astúcia e coragem, em um local obscuro, bem na divisa do congelador e a parte inferior da geladeira. Acho que era nesse local que os bichos faziam sexo e procriavam-se, pois um líquido amarelo-esverdeado de lápingava.
Dei-me por satisfeito.
Fechei a porta da geladeira. Agora, se os prezados leitores recordam o início do conto, eu relatei que a porta da geladeira estava escancarada. Que diabos!?
Qual foi a causa disso? Quantos Newtons de força são necessários para escancarar uma porta de geladeira? Muitos, suponho.
Como aprendi uma ou duas coisinhas correndo pelas pradarias, tratei imediatamente de prender a porta com dos pesos (daqueles usados para musculação) de 10kg cada.
Agora eu quero ver esta porra de porta magicamente abrir, falei.
Enfim, término das tarefas.
Tomo um rápido banho e parto à rodoviária, lá chegando às 16:20.
Acomodo-me em minha poltrona e, instantes depois, uma senhora senta-se no banco da frente portando dois espécimes de humanos que tinham, no máximo, 10 anos. Somados. Sim, dois pentelhos que não se comunicavam. Eles gritavam.
Como vocês sabem, dormir na viagem foi, logicamente, uma tarefa impossível.
Finalmente de volta à mais prodigiosa cidade do Universo! Campinas!
Parêntese final: 20:00, ou seja, 32 horas acordado.
Moral da história: QUE OS BIGATOS APODREÇAM NA MAIS FÉTIDA FOSSA DO INFERNO!
(eles bem que vão gostar).