CAUSOS DA BOLEIA - QUEM NUNCA COMEU MELADO, QUANDO COME SE LAMBUZA
CAUSOS DA BOLEIA - QUEM NUNCA COMEU MELADO, QUANDO COME SE LAMBUZA
Aconteceu em Maceió, Capital de Alagoas, quando havia uma movimentação doida de jornalistas para acompanhar uma CPI que estava se desenrolando na Câmara. Agora virou moda, em qualquer município tupiniquim, os inimigos políticos ficam procurando motivos para tentar derrubar os adversários e toma CPI em cima. Apesar de que é de praxe se encerrar sem resultado porque todo mundo tem rabo preso e quando o feitiço começa a virar contra o feiticeiro, está na hora de disfarçar e encerrar os trabalhos sem prejuízo para ninguém.
Sempre que eu estou em Maceió, gosto de almoçar num restaurantezinho modesto que serve uma comida bem gostosa. Naquele dia estava lotado, apesar do adiantado da hora, já passava das três da tarde. Só tinha um lugarzinho numa mesa lá perto dos banheiros. Eu nem sei por que as pessoas chamam de banheiro, acho que é pelo costume de, nas casas, os lavatórios, chuveiros e gabinetes sanitários ficarem sempre no mesmo ambiente. De fato, melhor se aplica chamar de toalete. Deixando de lado a questão da nomenclatura, o caso é que eu não gosto de me sentar próximo desses locais quando vou a um restaurante, porque muitas vezes o cheiro é desagradável. Deixando de lado, também, a questão do toalete, na outra cadeira que fazia parte do conjunto com a mesa estava sentada uma senhora, impressão de balzaquiana, a quem me dirigi perguntando se poderia sentar-me à mesma mesa.
- Sem dúvida, cavalheiro! - Respondeu-me ela, afastando alguns objetos e papéis que estavam ocupando quase toda a superfície da mesa.
Caiu uma agenda e o seu conteúdo foi espalhado pelo chão do estabelecimento. Um monte de pequenos papeis com anotações feitas a mão, que eu prontamente me dediquei a recolher. Por azar, tropecei no pé de uma cadeira e derrubei um copo que continha um pouco de vinho tinto que foi desaguar exatamente no colo da mulher. Ela levantou-se saltando para trás e esbarrou no encosto da cadeira em que estava sentada, na tentativa, mal sucedida, de se livrar do jorro do líquido. O grito que ela deu, e o barulho provocado pelo encosto da cadeira contra o chão, fizeram cessar o burburinho do ambiente cujos ocupantes, sem exceção, olharam para nós. Eu fiquei vermelho como um pimentão, porque não estou acostumado a ficar em evidência. Pedi mil desculpas a ela e disse que iria procurar outro lugar, depositando sobre a mesa espalhado e apressadamente o conteúdo da sua agenda que eu havia recolhido.
- Nada disso! Faço questão que o senhor sente aqui comigo, será um prazer – ela disse, juntando as coisas no seu lado esquerdo. Eu estou precisando conversar, tenho fama de que falo muito. Meu nome é Lilian, escrevo pra uma revista em São Paulo.
- Muito prazer! Rui Barbosa, mas pode me chamar só de Rui.
Disse que é Jornalista especializada em política e que estava ali por causa da CPI, que está sendo chamada CPI do jegue, que não tem nada a ver com o animal, significa jeitinho para guelta, por conta do envolvimento de uns deputados com um escândalo de favorecimento a laboratórios clandestinos e máquinas. “Mas o resultado vai ser o de sempre. Tem gente envolvida que é dono de Jornal, etc. Aí muita coisa não pode ser divulgada outras informações são deturpadas... Sabe como é, né? Vira uma guerra com acusações de todos os lados e por um motivo ou outro a imprensa deixa de ser séria” – concluiu.
Ela acabou deixando escapar que a imprensa direciona a informação para que o grande público acredite que os fatos ocorreram de acordo com os seus interesses. Citou o caso do Presidente Collor de Melo. “Tinha muita gente com raiva dele porque na sua gestão foram bloqueados os bens de capital das pessoas. A medida visava coibir as aplicações financeiras, principalmente no overnight, uma aplicação muito utilizada à época cujo rendimento era diário. As pessoas aplicavam todo o seu salário pra ter uma renda extra. Quando todas as importâncias depositadas nas instituições financeiras foram bloqueadas muita gente ficou lisa e teve que pedir dinheiro emprestado. Daí a raiva do sujeito.”
“O fato é que as empresas estavam deixando de produzir pra aplicar o capital. Consequentemente aumentou o desemprego e a medida do governo caiu como um balde de água fria e depois foi difícil se reerguer. Por outro lado, ele estava perseguindo algumas pessoas que se aproveitavam de cargos públicos pra se locupletar, pelo que ficou conhecido como caçador de marajás”- ela disse.
Uma amiga dela sentou-se à nossa mesa por alguns minutos e quis saber se ela iria assistir ao depoimento. Ela disse que não estava se sentindo em condições e perguntou à amiga se depois poderia lhe passar a “cola”.
- Esse aqui é o Rui, meu amigo – disse apresentando-me.
- Ah! Muito prazer, Marcia – estendendo a mão para eu apertar. Estou indo, já estou atrasada - jogou um beijinho para a Lilian.
Ela parecia uma mulher muito inteligente e bastante conhecida, pois volta e meia alguém a cumprimentava.
Ela falava e, de vez em quando, tomava um gole de vinho. Já tinha bebido quase todo o conteúdo da garrafa, enquanto eu me limitei a tomar um copo de cerveja. Não tenho hábito de beber, mas eu fui dando trela para ela, não tinha nada para fazer naquele dia. Só iria pegar a estrada no dia seguinte e acabei esvaziando a garrafa sozinho, o que normalmente não consigo fazer. Depois de beber mais um pouco do vinho e limpar os lábios com um guardanapo, ela continuou:
- Você vai almoçar, Rui? Eu deveria, mas estou tomando essa garrafa de vinho sozinha e fiquei meio enjoada.
- Eu vou sim. Não consigo ficar sem almoçar e jantar
- Eu também não estou acostumada a beber muito, mas esse vinho está tão gostoso que eu não resisti. Mas, voltando ao assunto: os interessados começaram a se movimentar e, pra não aparecerem, convocaram os estudantes menos esclarecidos pra participarem daquelas manifestações, principalmente em Brasília, que ficaram conhecidos como os cara-pintadas.
Na realidade os jovens não tiveram iniciativa nenhuma, foi tudo criação daqueles que tinham interesse em desmoralizar o Collor e derrotá-lo, porque estavam ameaçados de deixarem de ganhar dinheiro fácil e por meios nem tanto honestos se ele continuasse na Presidência da República. Os políticos que se sentiram ameaçados viram a possibilidade de serem descobertos e encenaram tudo aquilo. Esconderam-se atrás dos jovens pra armar todo aquele circo que resultou na derrubada do Presidente, atendendo ao interesse da maioria dos políticos que assim poderiam continuar a roubalheira. Infelizmente conseguiram derrotá-lo e ludibriaram o povo que acredita até hoje naquele engodo. É interesse deles que o povo continue acreditando que derrubou o presidente corrupto que foi vítima de um jogo sujo porque não tinha respaldo no Congresso.
O fato é que hoje está aflorando tudo, agora a sujeira está vindo à tona, mas eu me admiro como as pessoas ainda não perceberam isso, como as coisas se desenrolaram pra que acontecessem como se fosse o povo que tivesse derrubado o Presidente e ninguém, surpreendentemente, apareceu pra se fazer de responsável. O propósito era ficar na moita pra continuar tudo como estava, não aparecer pra não levantar suspeitas e continuar roubando, enriquecendo ilicitamente e tendo privilégios em excesso.
Quer um exemplo? Eu sou filha de militar e minha irmã não se casou só pra permanecer com o direito de receber, de maneira vitalícia, uma gorda pensão depois que ele morreu. Ela também optou por não trabalhar, nunca pegou no batente, vive como uma madame. Toda vez que se fala em rever as aposentadorias ela fica cheia de medo. Por isso ela adora o FHC porque ele só mexeu nos benefícios dos trabalhadores. Lógico, né? Por falar nisso, você sabe que ele sancionou, no seu último dia de governo, uma lei que concede aposentadoria também vitalícia a título de indenização compensatória a quem perdeu o emprego por perseguição política no período da ditadura com efeito retroativo a 1988, gerando indenizações milionárias e isentas de imposto de renda? Pois é, só o que deixou de ser recolhido de imposto de renda sobre uma dessas indenizações daria pra manter por mais ou menos dez anos o benefício de um aposentado do INSS que ganhe o teto. Tem gente que ganha só por conta disso mais de vinte mil reais por mês. Como as coisas aqui são sempre feitas em benefício próprio ou de alguém de seu interesse nem se cogitou verificar se a pessoa conseguiu se restabelecer, como muitas delas que nós conhecemos, acho até que a maioria.
Em certos casos o exílio se transformou até em status e trampolim pra vida pública e hoje estão muito bem de vida, nem precisariam dessa pensão. A minha irmã detesta o Lula, pelo menos enquanto ele for Presidente e existir a hipótese de modificar os critérios das aposentadorias e pensões. Eu como sou metida a reacionária abri mão da mordomia pra me casar, infelizmente, com um filhinho-de-papai, um boneco que não sabe dar um passo sozinho. Vive sempre na aba do pai. Só começou a trabalhar depois que acabou a faculdade e será um eterno estagiário no escritório de direito do pai dele. Eu só percebi isso muito tarde quando o meu ex-sogro pensou que sustentando o filho despreparado pudesse comer a mulher dele também. Aí eu mostrei o meu dedo médio em riste pra ele e dei o fora.
Eu achei graça da maneira dela contar, fazendo inclusive o sinal com o dedo e ia perguntar como foi, mas me arrependi a tempo de ser indiscreto. Mas ela também não deu chance, continuou a falar:
- Depois que inventaram essa tal de CPI, é investigação pra tudo quanto é lado, mas o propósito é só tentar desqualificar o outro, derrubar o que está no poder pra tentar ficar no lugar dele, mas sem exceção, a coisa acaba atingindo também o acusador, aí ta na hora de fazer acordo e acabar com a CPI. A imprensa deixa de divulgar assim como por encanto, e fica tudo como era antes e tome futebol em cima da galera. Então, o desabafo se transforma em grito de gooool.
O Garçom trouxe a minha comida e perguntou a ela se ia almoçar. Ela disse que não, que estava enjoada.
- Posso comer uma batatinha das suas, Rui? – Ela perguntou, espetando uma delas com o meu garfo sem esperar resposta. Huuuum! Está gostosa, mas não posso ficar comendo fritura, senão o esforço vai pro brejo. Traz pra mim um copo de chope – disse para o Garçom.
Essa mulher está com algum problema. Diz que não está acostumada a beber, toma uma garrafa de vinho, diz que está meio enjoada e agora pede um chope! – Eu pensei.
- Como todo mundo diz – ela continuou -, o povo tem memória curta. Você já reparou que raramente aparece uma cara nova? São sempre os mesmos, entra ano, sai ano, só larga o osso quando morre. Quem está no poder faz tudo pra se perpetuar e fica lá no congresso legislando em causa própria. Não vai dar certo nunca enquanto continuar esse circo. Pior é que Presidente tem renda vitalícia, Senador se aposenta com oito anos de mandato, e assim vai. Se alguém se faz de besta e tenta desmanchar o esquema, vai ser linchado, vão fazer a caveira dele como fizeram com o Collor e encher o povo ignorante e desinformado de mentiras. Infelizmente a maioria é facilmente enganada com promessas falsas em troca de ninharia. Eu já vi até morador de rua destruir lixeira e quebrar banco de praça pra fazer fogueira dizendo que é dono porque foi feito com dinheiro do povo, algum espertinho deve ter soprado isso no ouvido dele. Foi assim que funcionou com os cara-pintadas. Quando é que eles vão entender que quem está lá em cima mais todos os amiguinhos que vão na aba estão pouco se lixando pra quem não tem o que comer, num país em que o presidente chama aposentado de vagabundo enquanto eles ficam, ora deputado, ora senador, alguns anos de prefeito, volta pra deputado e trabalhar que é bom nada. Enquanto um sujeito assenta tijolos e vira massa desde os 18 anos, trabalha 35, constitui e mantém uma família e quando se aposenta aos 53, assistindo, impotente, a todas essas mazelas e falcatruas dos políticos e afins, com o grito de desabafo engasgando na garganta é chamado de vagabundo pelo chefe da nação, como se fosse ele o responsável pelo rombo da Previdência. É demais não é Rui?!
Eu tentei falar que concordava, mas só consegui abrir a boca, não deu tempo, ela parecia uma máquina de falar. Pior que a mulher demonstrava saber do que estava falando.
- E a gente só correndo atrás da notícia pra vender a informação, que na realidade não muda muito, atualmente nem as caras estão mudando. Pior é que muitas vezes a informação é maliciosamente distorcida visando interesses pessoais e até mesmo por intriga como é o caso de uma matéria que eu li numa revista de grande circulação a respeito de o Brasil ter alcançado o grau de investimento, onde foram abordadas as medidas tomadas nos respectivos governos. Anunciaram em 1990 a posse de Collor de Mello e o confisco da poupança. Sentiu a malícia? - Ela perguntou. Uma informação distorcida e tendenciosa para convencer os mal informados. Na mesma matéria informaram que com o auxílio de Fernando Henrique Cardoso Itamar Franco lançou o Plano Real. Ora não foi com o auxílio do FHC coisa nenhuma, ele era o Ministro na ocasião, o responsável pelo Plano real foi sim o Presidente Itamar Franco, já que cada fracasso ou vitória é atribuída ao Presidente. Não é necessário dizer que tudo é feito pela equipe econômica do governo, nesse caso, nem pelo Ministro, mas o objetivo era dar o mérito por um motivo qualquer ao FHC.
Eu me limitava a concordar com a cabeça, de fato eu concordo com tudo aquilo que ela me disse. E ela continuou:
- Mas o povo brasileiro já está acostumado com isso e realmente esquece como esqueceu da violência nos tempos da ditadura, as mortes ,os exílios. Esqueceu, também, do que fizeram com João Goulart e de todos os golpes aplicados contra a nação. Muitos anos de convivência faz com que tudo isso seja normal, acaba se acostumando. A corrupção vive por esses lados do globo desde o tempo de D. João VI.
Eu aprendi na faculdade, eu além de Jornalista sou formada em História, que os impostos que eram arrecadados aqui, quando chegavam em Portugal não correspondiam nem à metade do dinheiro. Em cada parada se mordia um pouquinho. Depois que D. Pedro II e a Família Imperial voltaram pra Europa, os governantes republicanos ficaram aliviados, poderiam espoliar à vontade o povo brasileiro, sem que ninguém os fiscaliza-se. Poderiam se lambuzar com o melado da corrupção e do estelionato, das riquezas fáceis e ilícitas, sem que houvesse alguém a chamar-lhes a atenção.
Rui Barbosa, o teu xará, que foi republicano durante o Império e monarquista ou simpatizante, depois dos primeiros desacertos e corrupções da República...
- É. Eu sei – consegui falar.
Ela pediu outro chope.
“Esse negócio não vai dar certo” – eu pensei.
O Garçom olhou para mim como se pedisse consentimento. Eu olhei para a mesa ao lado com intuito de desviar os meus olhos da inquisição do Garçom. O casal que utilizava a mesa comentava alguma coisa, parece que sobre outra pessoa, alheios aos demais frequentadores do restaurante.
Ela de novo:
- Rui Barbosa ocupou o cargo de Ministro da Fazenda no governo de Deodoro da Fonseca, era, sem dúvida, grande jurista e diplomata, um sábio e extraordinário orador, porém, péssimo economista. Assim, foi o causador do famoso “encilhamento”, que trouxe a desmoralização das finanças brasileiras e uma terrível inflação. Já ouviu falar sobre isso? Pra mudar a estrutura econômica arcaica dos primeiros anos da República ele estabeleceu uma política monetária baseada na livre liberação de créditos mesmo sem garantia pelos bancos e pra financiar a estupenda quantidade de empréstimos o governo foi obrigado a fazer uma imensa injeção de dinheiro no sistema econômico, o que provocou grande desvalorização da moeda e uma enorme inflação. Certa vez ele escreveu, segundo eu li nem sei onde: “De tanto ver triunfar as nulidades, de tanto ver prosperar a desonra...” Esqueci! Ah! “De tanto ver triunfar as nulidades, de tanto ver prosperar a desonra de tanto ver crescer a injustiça, de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar da virtude, a rir-se da honra, a ter vergonha de ser honesto”. Você viu como esse lance de corrupção não é novidade por aqui? Até os mais honestos acabam deixando-se seduzir, familiarizando-se com os vícios e pecados da corrupção.
Nessa altura eu já tinha terminado de almoçar e quando o Garçom veio retirar o meu prato perguntou se eu queria café. Eu respondi que sim.
- Duas xícaras? – Ele perguntou.
- Pra mim não, traz mais um chope, por favor. - disse ela.
- Que horas são Rui? – Ela perguntou.
- Cinco e vinte e cinco – respondi.
- Caramba! O tempo passou, a conversa estava animada, e eu nem percebi. Acho que vou pro hotel. Não vou tomar o chope que eu pedi. Garçom! – Chamou. Suspende o chope e traz a conta.
Juntou os seus pertences. Jogou dentro da bolsa, começou a levantar e sentou-se de novo.
- Acho que vou ficar por aqui mais um tempo, estou me sentindo tonta.
- Não é pra menos, você tomou uma garrafa de vinho e não sei quantos copos de chope e não comeu nada, só poderia dar nisso.
- Eu pareço uma mulher tão segura... Não é, Rui? Mas estou meio por baixo. É que eu me separei recentemente do filhinho-de-papai do meu marido, quer dizer, ex-marido, e ainda não me acostumei, ainda não encontrei o meu rumo. Você pode me levar em casa, quero dizer, ao hotel? Estou me sentindo meio tonta e acho que não vou conseguir caminhar direito. Estou doida pra fazer xixi e não vou usar o sanitário daqui em hipótese nenhuma.
É claro que eu a levei ao hotel. Quando estávamos subindo a escada que dá acesso ao hall do hotel ela tropeçou e ao ampará-la uma das minhas mãos agarrou o seio esquerdo dela.
- Desculpe-me.
- O que?
- Você sabe, a minha mão no seu peito, foi sem querer eu pensei que você ia cair...
Ela achando graça: - Até que eu gostei Rui! Já faz algum tempo que ninguém me segura assim com tanta firmeza.
- Acho que estou de porre Rui.
- Eu também acho.
Para não constrangê-la e para disfarçar o seu estado, subi com ela para o quarto. Ela se apoiando em mim e tentando caminhar depressa face à urgência que a necessidade fisiológica demandava. Não estava mais falando muito, acho que o seu cérebro estava concentrado em reter a urina.
Eu abri a porta com a chave que ela havia me dado e ela entrou correndo, chutou os sapatos e nem se preocupou em fechar a porta do banheiro. Sentou-se no vaso sanitário, depois de arriar a calcinha, evidentemente, e a expressão do seu rosto demonstrou o alívio que o seu corpo estava sentindo. Não pude deixar de notar isso porque a reação dela quando entrou no quarto foi inesperada e me deixou surpreso. Quando me dei conta da situação, disfarcei e me aproximei da janela a pretexto de observar a paisagem.
Ainda sentada no vaso ela falou:
- Rui, eu tenho que tomar um banho, você me ajuda?
- Você quer que eu te ajude a tomar banho? – Perguntei de onde eu estava, junto à janela.
Ela ainda sentada no vaso tinha tirado o vestido pela cabeça, mas não conseguia abrir o fecho do sutiã.
- É. Estou tonta, me ajuda aqui.
Eu fui socorrê-la meio sem graça.
- Ah, Rui! Não fica se fazendo de bobo. Ou será que você nunca ficou sozinho com uma desconhecida? Não tem cara de quem não gosta de mulher.
- É claro que eu gosto de mulher, mas é que...
- Eu sou divorciada Rui, independente. E pra dizer a verdade eu simpatizei com você. Te achei um gato. Eu vou tomar banho, você vai me ajudar ou não?
- É, você é bem decidida mesmo!
- Também é porque eu gostei de você Rui, da sua técnica pouco usual pra abordar uma mulher, pela capacidade incrível de sustentar um bom papo...
Acho que ela estava querendo mesmo me agradar, ou então estava de gozação. Logo onde eu fui mais infeliz! Primeiro por derrubar o vinho em cima dela, depois por não conseguir articular uma frase inteira porque ela não deixou. Ela deve ser do tipo de mulher dominadora.
Ajudei-a entrar na banheira. Eu já tinha aberto as torneiras. Ela olhou para mim com um sorriso malicioso e estendeu a mão para me entregar o sabonete. Quando eu ia pegar deixou cair na água. Pegou de novo e me deu.
- Vamos lá, quero ver se você sabe dar banho em uma mulher.
Eu não tive alternativas, comecei ensaboando as costas dela, acho que passei tempo demais naquela região do corpo, porque ela chegou para trás e disse:
- Agora ensaboa aqui – pegando minha mão e direcionando para os seios.
Por fim eu também acabei dentro da banheira com ela. Ela me puxou. E depois, como eu não tinha roupa limpa, ela me disse para vestir um roupão do hotel, porque eu não iria precisar de roupa naquela noite.
- Você faz amor comigo, Rui Barbosa?
Acabei ficando com ela até o dia seguinte. Quando acordou acho que ela se deu conta da situação. Eu sabia alguma coisa da vida dela, mas um completo desconhecido para ela.
- Rui, o que é que você faz? Você é daqui?
- Não. Eu não sou daqui. Sou do Rio de Janeiro. Caminhoneiro e divorciado. Minha ex-esposa não suportou as minhas longas ausências.
- Caminhoneiro é?... Eu fazia outra ideia de caminhoneiros. Eu pensava que eram homens rudes e sem instrução. Confesso que eu não esperava por essa. Pensei que você fosse professor ou coisa parecida. É tão gentil e educado, um perfeito cavalheiro. Te adorei! Será que a gente vai se ver outra vez?
- Mal comparando e não querendo me desfazer dos companheiros, você naturalmente conhece aquela citação da Biblia atribuída a Jesus que diz: "Olhai para os lírios do campo, como eles crescem: não trabalham, nem fiam. Eu vos digo que nem mesmo Salomão, em toda a sua glória, se vestiu como qualquer deles". Quem sabe a gente se vê outra vez, afinal não somos mais estranhos.
Tomamos um bom café, dessa vez ela comeu, e depois nos despedimos. De vez enquanto ela me liga.