Jack
Jack era um cara pacato, vivia sempre em seu mundo interior, não era de ter amigos, não gostava de multidões, tinha uma certa aversão ao contato social.
Vivia na maioria do tempo recluso, isolado em seu quarto, passava as horas envolto as leituras e dedicava uma parte do seu tempo a escrever, fotografar e filmar cenas do cotidiano.
Sempre que fotografava ou filmava o fazia em preto e branco, que eram suas cores prediletas, bastava observar nas suas roupas, pois somente usava essas duas cores.
Adorava a noite e odiava o dia, talvez pelo fato de o dia ser tão corrido, uma agitação sem fim, além da propensão de cores e imagens que lutam para obter seus espaços.
Detestava Outdoors, e irritava-se com a poluição visual causada por eles, mas de alguma forma, mesmo com toda essa repulsa que tinha pelo dia, sentia-se fascinado ao sair com a sua câmera empunhada a mão, apesar de ser uma sensação boa, não se comparava o mínimo se quer com a emoção sentida em seus passeios noturnos, que eram diários, era uma espécie de terapia mental. Jack ia aos poucos transformando as cenas do dia a dia adaptadas ao seu mundo, ao seu modo de ver as coisas.
Gostava de observar as pessoas, ficava horas e horas fotografando-as, mesmo não gostando de multidões, Jack as fotografava: A movimentação das pessoas andando nas ruas, o trânsito caótico. Mas sempre agitado e tenso.
E logo corria pra casa pra descarregar sua máquina e ver as cenas e os closes que captara, agora traduzidos ao seu mundo.
E ali em frente ao seu computador maravilhava-se com a beleza que conseguia captar, extraídas de cenas que tinha total aversão e divertia-se muito com isso, pois era bastante irônico. Como pode alguém achar beleza em algo que tem tanto pavor?
Mas Jack procurava não se preocupar muito com isso, afinal de contas, sabia que era diferente de todos.
Então em um certo dia, em um dos seus passeios noturnos, Jack resolve parar em uma cafeteria, pra tomar um Capuccino, meio tenso com aquela situação, Jack fica na dúvida se entraria ou não na cafeteria... Após minutos de indecisão... O seu gosto pelo café fala mais alto.
Já dentro da cafeteria e bem acomodado em umas das mesas, vem um Senhor atendê-lo.
- Boa Noite Garoto!
- Boa Noite, respondeu Jack Timidamente.
- Então, o que vai tomar, um Capuccino?
- Jack se surpreende e responde que sim, porém bastante intrigado.
- Ok garoto, irei preparar e pra comer, vai querer algo?
- Não, obrigado, apenas o café, responde Jack com a cabeça baixa.
- Tudo bem, já trago o seu Capuccino... Você gosta sem açúcar não é?
- Jack fica espantado... Sim, somente tomo sem açúcar, mas como advinhou?
- Pela sua cara percebi que não gosta.
Toda essa situação deixou Jack um pouco assustado. Quem seria esse Senhor misterioso?
- Aqui está Jack, o seu Capuccino, do jeito que você gosta, sem açúcar.
- Como sabe o meu nome?
- Oras Garoto, tens escrito no seu casaco... Então deduzi que seria o seu nome, ou me enganei?
- Não, você está certo respondeu Jack com as bochechas coradas.
- Eu nunca te vi por aqui antes, digo aqui na cafeteria, mas sempre o vejo passar aqui em frente quase todas as noites.
- É verdade, sempre passo por aqui...
- E nunca te deu vontade de entrar?
- Após um súbito silêncio, Jack responde: Sim, já tive vontade de entrar outras vezes, mas não fico à vontade, não sou muito de conversar.
- Me perdoa então garoto, respondeu o Senhor meio sem jeito, eu que sou um falastrão e intrometido, desculpe-me por importuná-lo, o deixarei a sós.
- Não, pode ficar, eu que peço desculpas pela minha indelicadeza, anda, senta aí e toma um café comigo, Se o dono não se importar é claro.
- Tudo bem, respondeu o Senhor já puxando uma cadeira e sentando, certamente ele não se importará.
- Tens certeza?
- Sim, pois sou eu o dono.
- Jack corou as bochechas novamente e meio sem jeito perguntou: E qual é o seu nome mesmo?
- Ah! Sim, claro, que indelicadeza, nem me apresentei. Chamo-me Boris...
Já era um pouco tarde, então Jack sabia que estava perto do horário de fechar a cafeteria.
- Ok Senhor Boris, obrigado pelo café e pela conversa, foi um prazer, mas tenho que ir, já está tarde e também sei que já está na hora de fechar.
- Sem problemas garoto, sou o dono, esquecestes?
- Não, claro que não.
- Pois bem, Jack, sempre que eu fecho a cafeteria eu saio para dar uma volta, também gosto de passeios noturnos. Não quer vir comigo? Assim continuamos nosso papo.
- Tudo bem, respondeu Jack.
E saíram os dois pelas ruas vazias e escuras do bairro.
Pareciam duas crianças, chutando latas, apertando campanhias, jogando pedras, quebrando assim o silêncio que predomina a noite.
- Então Jack gosta de fotografar?
- Sim, gosto, mas prefiro fazer fotos diurnas, porém em preto e branco.
- E a noite você não fotografa?
- Sim, fotografo, porém bem menos.
- Em preto e Branco também?
- Não, à noite fotografo ao natural, apesar das poucas cores...
- Sabes Jack, eu também adoro fotografar, afirmou Boris, tirando do bolso um case com uma máquina.
- Legal Boris, posso ver sua máquina?
- Claro, aqui está.
- Jack fica pasmo ao perceber que a máquina de Boris é idêntica a sua.
- Puta que pariu Boris! É igualzinha a minha!
- É, percebi isso quando entrou na cafeteria...
Cada vez mais Jack ficava intrigado com Boris, era como se de alguma forma ele soubesse que aquele Senhor guardava algum segredo...
- Anda Jack, já esta quase amanhecendo, temos que ir.
- Deixe-me ver algumas fotos que você tirou?
- Já está amanhecendo Jack, se importa de que eu te mostre amanhã? Aparece lá na cafeteria que te mostro algumas.
- Ta bem Boris, amanhã eu apareço...
- Pode aparecer, estarei no aguardo, e obrigado pela Compânia.
- Eu que agradeço Boris, sabes, não tenho nenhum amigo, foi divertido passear e conversar com você.
- Igualmente garoto.
- Bem, então até mais ver Boris.
- Até...
Então Jack foi pra casa, feliz com toda aquela situação e com o amigo que acabara de encontrar. Enquanto caminhava ia pensando em quanto eles tinham em comum e o quanto aquele Senhor misterioso parecia saber cada detalhe sobre sua vida, seus gostos, sua forma de ser...
Chegando em casa, finalmente Jack deita-se e depois de insistir muito consegue dormir.
Era um sono profundo, mas ao mesmo tempo suave, até que uma voz aguda e doçe interrompe aquele momento divino.
Era a voz de uma mulher...
Acorda Boris, acorda Homem, já está na hora, vai se atrazar.
Então, ao levantar, espanta-se com a mulher que vê na sua frente.
- Quem é você? O que faz aqui no meu quarto?
- Como assim, quem sou eu? Você esta se sentindo bem Boris?
- Em tom assustado responde: Não me chamo Boris, meu nome é Jack!
- Pára de brincar Boris, está me assustando, não me reconhece? Sou eu Sofia, sua esposa.
- Esposa? Do que você esta falando?
- Somos casados há 15 anos e temos duas filhas, como pode não se lembrar? E quem é Jack?
- Eu sou Jack! Já te disse, não sou o Boris, Boris é o Senhor que conheci noite passada na cafeteria!
- Pára de brincar Boris, por favor, como pode ter conhecido alguém ontem na nossa cafeteria, se ela está fechada em fase de reformas?
- Eu sou o Jack, exclamou aos berros! E conheci ontem o Boris enquanto tomava um Capuccino, você esta me ouvindo?
Eu sou o Jack!
- Sofia não agüentando mais essa situação entra em prantos e se desespera, as crianças logo acordam com toda a gritaria que toma a casa e começam a chorar também.
- Olha Boris, ta vendo só o que você fez, também assustou as crianças! Gritou Sofia nervosa.
- Eu não sou o Boris Gritou furioso, saia daqui agora! Vai, some da minha frente sua louca! O que você quer de mim? Que tipo de brincadeira é essa? O que estão fazendo comigo?
Berrou batendo a porta e pondo Sofia pra fora.
Sofia desesperada com toda a situação, sem saber o que fazer correu pra acalmar as crianças e ao entrar no quarto após acalmá-las, Sofia as faz dormir novamente. O nervosismo já tomava conta de Sofia que não conseguia se controlar, sem saber que tipo de atitude iria tomar, apenas sentia muito medo, aquele não era o Boris que ela conhecia e havia se casado, ele parecia transtornado, parecia outra pessoa. Sofia então, resolve tomar coragem e voltar ao quarto pra ver como estaria Boris...
Quando de repente é surpreendida pelo marido, em plena sala com uma arma apontada à cabeça.
Sofia então grita e implora: Não faça isso Boris!
Eu já disse que não sou o Boris resmungou com os olhos cheios de lágrimas e engatilhando o revolver. Eu sou o Jack você esta me entendendo?
Eu sou o Jack! E com a sua mão direita apertou o gatilho, a bala atravessou sua cabeça e o sangue jorrou por todos os cantos, inundando a sala e sujando as paredes, então Boris caiu no sofá.
Sofia gritou desesperada e inconformada, chamando por Deus e em meio ao choro ela pedia a Deus que o perdoasse, que ele não sabia o que estava fazendo, pois estava transtornado e não estava em plena consciência.
E segurando o corpo de Boris aos braços ela percebeu que ali em cima da sua mesa de centro da sala, havia uma câmera apoiada a um tripé e que filmava tudo e pra sua surpresa na câmera tinha uma inscrição com o nome: JACK.