Carta ao Sr. Desemprego
*Baseada na realidade torpe de um país bonito, mas sem muito jeito
Caro Sr. Desemprego,
Faz tanto tempo que você (posso te chamar assim, não?) passeia por perto, que eu me sinto íntima e quero te contar uma história. Sei que você anda muito ocupado ultimamente, mas gostaria que fizesse a gentileza de ler até o fim um dia desses em que você encostar a cabeça no travesseiro e sentir o alívio do trabalho bem feito, do dinheiro do colégio dos seus filhos, e esquecer da quantidade engraçada de impostos que são mantidos através do que você suou durante o dia. Não é ótima essa sensação de dever cumprido? De provedor da família?
Então... era uma vez um homem de meia-idade que, depois de muitos anos de trabalho, vê-se demitido por conta de um rapazote de 20 anos, talvez nem isso, que tem todo o know-how (manja essas expressões que sempre vêm e vão conforme os tempos mudam?) e toda a empolgação para gastar toda sua saliva e todas as suas horas dentro do escritório. Não tem família, não tem deveres, não tem filhos que adoecem nem planos de saúde que sempre aumentam sem benefícios. Por isso sempre sorri para o patrão e tem os melhores índices de aproveitamento da empresa.
A família ficou no interior. A vida lá é mais simples e mais barata, mas difícil, tanto que não havia empregos disponíveis em sua área. Foi para São Paulo sozinho. Alugou um meio-quarto, tomava meio café da manhã, mandava notícias diariamente e perdeu 14kg.
Durante muito tempo e com muitos anos de experiência comprovados, este homem participante da massa tonta de desempregados na grande São Paulo avistou uma vaga no caderno de classificados que comprava todo dia antes da jornada de três ônibus e dois metrôs para procurar alguma coisa que valesse a pena. Ou que não valesse, mas aparecesse.
Depois de quatro meses indo e vindo, passando horas esperando alguém aparecer naquela empresa em que tinham marcado uma entrevista com ele, conseguiu a vaga. Ficou tão feliz que chorou. Ligou para a filha e disse que ela não precisaria mais trabalhar. Daquele momento em diante, era só estudar e ser gente fina e instruída.
No terceiro dia de trabalho, recebeu um aviso que o responsável pelo R.H. da empresa achava que tinha gente demais trabalhando lá e despediu o homem. Despediu seus sonhos, suas esperanças num país furado, sua ilusão de uma vida mais digna, em que pudesse tomar um café com menos água, que não precisasse andar durante duas horas e economizar dinheiro do transporte para comer naquele restaurante que o governo mantém para os menos favorecidos. Mas a comida é boa, viu? Não, não vá visitar o lugar, porque lá você já fez a festa.
Olha, Sr. Desemprego, estou escrevendo por desabafo mesmo. Porque quero que você desapareça, entende? Suma de cada família que não merece sofrer todo dia, suma de toda mente do trabalhador honesto, que tem dupla jornada e, mesmo assim, não consegue prover conforto para os que dependem dele. Desemprego, sendo homem, você sabe a sensação de não prover? (Quando você, que está lendo neste momento, lê a palavra desemprego, não te parece substantivo masculino?)
Eu não sei mais quantas lágrimas precisam escorrer, quantas crianças precisam pedir nos semáforos, quantos adolescentes precisam roubar, quantos idosos precisam se virar com a aposentadoria magra para viver dia e noite em farmácia. Sabia, Desemprego, que aposentadoria é quase sinônimo de você mesmo? E que idosos precisam de mais cuidados e tornam-se mais frágeis conforme os anos passam?
Imagino que você já tenha recebido milhares de cartas assim e toneladas de pensamentos parecidos, mas é que eu me pergunto como os responsáveis pelo nosso país podem tentar te combater se não te conhecem? Você deve rir dia e noite das táticas furadas, né?
Ah, Desemprego, vai lá bater na porta deles. Por aqui já perdeu a graça. E vê se lembra daquele cara de quem eu estava escrevendo e risca o nome dele da sua lista, porque muito tempo já passou, muitos sonhos desabaram e muitos quilos evaporaram. Passeia...