O Cheiro da partida

O Cheiro da Partida

Há um silêncio que me envolve agora, tão denso quanto a escuridão que cobre a madrugada. São três e trinta e nove. O mundo repousa em esquecimento, mas aqui dentro, no deserto da minha alma, há um grito abafado, um sussurro frio e inquietante, um prenúncio de algo que não sei explicar. Sinto, como uma lâmina que roça a pele, o toque quase imperceptível da morte. Não, não a temo – ela é velha conhecida, observadora à distância, sempre presente, mas hoje... hoje ela parece mais próxima.

Minha alma está congelada, como se o tempo houvesse parado só para mim. Olho para minhas mãos e nelas vejo as marcas de batalhas que enfrentei, os traços de uma história que nunca foi perfeita, mas foi minha. Victor Liatunga, este nome carregado de significados, de vidas tocadas, de vitórias silenciosas, de derrotas que moldaram minha essência. Mas quem sou eu agora, no vazio desta hora?

Ah, se houvesse um abraço... Se uma voz suave sussurrasse que tudo ficará bem. Mas não há ninguém, só eu e este sentimento inominável que esmaga o peito, esta solidão infindável que me faz duvidar se a vida vale mais do que o vazio que ela insiste em deixar.

Minha mente viaja por cenários embaçados, uma estação de trem onde o som do apito é sufocado por memórias. O cheiro da partida impregna o ar, como se algo em mim estivesse pronto para ir. Penso nos dias em que caminhei cheio de fé, nos olhos que um dia confiaram em mim, nas mãos que segurei e depois soltei. Penso na dor de nunca ter dito tudo o que eu deveria.

O que mais dói, no entanto, não é o temor do fim. É a ausência. A ausência do calor, da presença de quem eu amo, de palavras que aliviem este abismo. Se a morte vier – não, quando ela vier, ela encontrará um homem que não a teme, mas que desejaria partir menos só.

Ao leitor que chega a essas palavras, te peço: sente-se comigo por um instante. Não se apresse, fique aqui, no silêncio da madrugada. Sinta o peso do que não se pode mudar. A vida é breve, mais breve do que somos capazes de entender. Quando chegar minha hora, eu quero que saibam que amei profundamente. Amei as pessoas, a vida, Deus... e talvez isso me faça chorar agora, pois mesmo com toda essa entrega, minha angústia é inescapável.

Quando eu partir, nada será tão frio quanto as palavras não ditas. Nada será tão esmagador quanto o abraço que nunca dei. Mas, até lá, eu seguirei, caminhando com o cheiro da partida como companhia, esperando o dia em que tudo cessará.

E a morte? Ela será apenas um beijo, o beijo silencioso de um amigo antigo, me levando para um lugar onde, talvez, a solidão finalmente desapareça.