Não é uma carta de amor

Caro A.,

Você reclama que eu não escrevo mais cartas de amor. Realmente, tenho que concordar. Porém, eu não tenho escrito nada, nem de cartas amor, nem de ódio. As palavras andam escassas do lado de cá; resolveram brincar de esconde-esconde e nunca mais as encontrei. Arrisco dizer que, se te enviasse uma carta, seria apenas uma folha de papel em branco. Os rascunhos que tentei não me deixam mentir. Meu estoque de boas palavras endereçadas a você está vazio. Acho que gastei todas elas tentando provar que o que eu sentia era digno de nota. Você as usou para deixar a sua vida mais bonita e colorida. Não te repreendo por isso. A não ser pelo fato que agora me sinto oca. Não é que eu não sinta mais nada, é só que, apesar da minha cabeça estar lotada de lembranças, meu coração está desértico.

Lamento que as coisas tenham chegado nesse ponto em que nós dois nos estranhamos, mesmo tendo dividido tantas coisas ao longo do tempo. Foi um amor mútuo, eu sei. Morninho, aconchegante, sem expectativa ou alarde. Foi unilateral? Foi, mas nem sempre. Sei que em um momento uma parte desse amor existiu aí dentro de você também. O amor ainda está aqui, mais real, mais palpável, mas não como antes. Não nas poltronas de cinema ou nas cadeiras dos restaurantes; nas perguntas que te deixam constrangido ou no cuidado que tinha comigo. Ele mora aqui dentro de mim, debruçado na janela do quarto, observando o dia de sol que faz lá fora, como uma criança de castigo, proibida de brincar na rua. Certamente com você esse sapequinha não brinca mais.

Falar de saudade para mim é comum. Você sabe, eu já perdi muitas coisas e pessoas da minha vida. Algumas delas me causam lacunas que até hoje não consegui preencher. Contudo, com você é diferente. A sua falta é um tabu que eu prefiro deixar escondido e inacessível. Porque sei que não vai se curar chorando ou “dorme que passa". É mais profundo e mais doloroso o processo de te esquecer.

Não adianta eu dizer que quero tudo isso de volta. Porque a verdade é que, por mais que eu queira, não devo. O nosso tempo já passou. Não gastaria minhas palavras com as suas recusas. A sua sensatez não entende as minhas loucuras. O seu olhar não vai mais me prender na espiral de promessas não cumpridas. Eu sei que há milhões de coisas não ditas presas na sua garganta e acho interessante como os seus olhos às vezes fazem saltar as nuances dos seus sentimentos reprimidos. Mas não há mais espaço para nós sermos embriagados da doçura do amor e se recuperar da ressaca moral da realidade no dia seguinte. Então, não perca seu tempo com pedido de desculpas que não servem de nada.

Eu me perdoo pelo deslize de ter me apaixonado por você. E perdoo você também. E estou esquecendo de você aos poucos. Faça isso também, por mim. Esqueça que um dia eu adentrei na sua vida e baguncei a sua estante do amor. Não me procure mais. E nessa tentativa esquálida de esquecer, sente numa cadeira e aguarde o seu próximo amor. Porque merece ser muito feliz. Eu também vou esperar, não sei bem o quê, mas a vida tem suas surpresas.

É, isso não é uma carta apaixonada. Rasgue-a, queime-a, amasse-a, jogue-a fora, guarde-a numa caixa de papelão, esqueça-a em um livro, assim como aconteceu com nós dois. Não me importo.

Acho que é apenas a reprodução mais fiel de nós e do que tivemos.

Com sinceras estimas,

E.

Belinda Oliver
Enviado por Belinda Oliver em 23/07/2024
Código do texto: T8113314
Classificação de conteúdo: seguro