Carta ao meu pai na UTI I
Cáceres, 31 de maio de 2023, às 17 horas e 15 minutos, 25 graus, lua crescente.
Pai, há dois dias faz frio na nossa cidade, com temperaturas oscilando entre 17 e 25 graus. Todos sabem que isso é suficiente para os cacerenses se recolherem, prepararem um caldo de ossinho e interromperem os banhos. Eu mesmo só tomei uma ducha quando o sol preguiçoso apareceu às 14 horas, antes de ir visitá-lo no hospital. Minha mãe me encheu o saco, mas nem liguei! O senhor sabe como ela é falastrona. Essa é a parte boa de ser adulto: ser dono do próprio nariz. Se fosse em outros tempos, eu estaria tomando banho no tanque do quintal, batendo queixo e esfregando os pés com uma escova que quase arrancava o couro
Enfim, para ser honesto, tudo ficou mais gelado devido à nossa angústia de não tê-lo aqui conosco. Peguei-me pensando várias vezes como você está no hospital. Será que as enfermeiras cobriram seus pés? Seu nariz não estaria escorrendo? Aff! Dúvidas e incertezas têm nos acompanhado nesses 13 dias desde a sua internação. Estou mais otimista, mas confesso que tenho limitado minhas visitas à UTI. A verdade é que não suporto vê-lo tão frágil. Isso parte meu coração, que já não é dos melhores. Afinal, herdei também o karma da hipertensão.
Já passei pelas fases de ira e negação, depois me afundei no poço das lágrimas, mas, agora, estou na etapa de agradecer ao universo por todas as suas pequenas grandes recuperações. Gostaria que soubesse que está tudo bem aqui fora. Estamos sendo fortes, na medida do possível. Ontem eu consegui ligar meu computador e, pela primeira vez, retornei ao trabalho.
Por falar nisso, lembra da Antologia sobre Cáceres a qual fomos convidados para compor um dos capítulos? Pois é, fique tranquilo! Eu enviei dois textos seus. Uma poesia escrita em 1994 e àquele videopoema desenvolvido com auxílio da Lei Aldir Blanc. Eu iria enviar só esse último, mas, graças aos olhos atentos do Adrian, encontrei uma poesia perdida em um de seus vários cadernos de pensamento que contemplava a temática do livro.
Não me leve a mal, mas ao transcrevê-la para o computador, a poesia mais antiga ficou apenas com 4 versos. Por conta disso, tive que escrever um pouquinho mais. Juro que tentei preservar a ideia original e canalizar ao máximo o seu estilo. Confesso que fiquei admirado com a qualidade dos seus poemas.
Enviei os textos selecionados ao e-mail do editor e expliquei a fatídica situação. Espero que ele entenda esse vendaval e os publique. Dois Vilasboas Seba compondo uma obra tão importante como essa, já pensou? Uma honra. Dom Hélio se orgulhará lá de cima.
Com 18 anos, você já era uma mente brilhante. Seu estilo é único: ultrarromântico com um toque regional. A academia Mato-grossense de Letras certamente reconhecerá seus textos um dia. Eu prometo!
Pai, não vejo a hora de você se levantar dessa cama. Compreendo que o processo será moroso, mas confio plenamente na sua total recuperação. Pela primeira vez, preferi me agarrar a minha ignorância do que às pesquisas que fiz sobre o Acidente Vascular Troncocerebral hemorrágico. Na verdade, eu não tinha lido nada até ontem, mas, minha mãe não parava de falar sobre isso e fui obrigado a bisbilhotar na rede, senão, correria o risco de estar aí fazendo-lhe companhia no box ao lado.
Hoje te achei um pouco distante. Deve ser por causa da cirurgia de traqueostomia feita ontem à noite. Você está sendo muito forte, pai! Agora, os médicos estão diminuindo a medicação para avaliarem suas progressões cognitivas e motoras. A última tomografia mostrou que seu corpo está absorvendo o maldito coágulo. É isso aí! Tenho certeza que as teorias, ideias, projetos e conhecimentos que estão aí na sua caixola estão combatendo esse sangramento e mantendo-o lúcido.
Hoje fará Lua Crescente. De acordo com o horóscopo, essa fase lunar trará obstáculos e, por isso, é necessário lutar com determinação para defender, sustentar e direcionar as coisas da vida. Não sei se devo ficar feliz ou triste com essa informação, mas a verdade é que desistir nunca esteve nos nossos planos. Lembro-me de quando você me ajudou a não abandonar o curso Técnico. Mesmo que hoje eu não saiba uma linha de programação, o fato de não ter desistido me tornou mais forte e resiliente. Acredito que essa força, que não compreendo totalmente neste momento, tem raízes aí.
Descanse, pai! E fique mais forte. Estamos todos com muita saudade, inclusive a Donatela que está uma baleia por conta dos tantos pães que você dava a ela. Mamãe disse que ela também comeu todos os ovos da geladeira enquanto você passava mal. Que cadelinha ordinária, né? Mas, a verdade é que ela cuidou de você até o socorro. Tenho certeza que ela ficou ao seu lado, assim como todos nós estamos agora.