Cartinha de amor adolescente

Pitangui/24/01/1967

 

Querida,

 

Nesse instante em que começo, a tristeza toma conta de mim. Muito embora ainda não saiba da extensão dos seus sentimentos, não é por isso que estou triste. São coisas inteiramente pessoais, coisas que talvez não tenha a coragem de dizer a ninguém, que mesmo a Deus só revelo inconscientemente, se me falta a coragem de aceita-las. É essa a razão da minha tristeza. Foi ontem que comecei a ter saudades novas de você, parecendo que já faz muitos dias que não nos vimos.

Desde aquela noite, no domingo passado, fiquei pensando na nossa situação, tão clara e ao mesmo tempo tão difícil, onde eu não consigo derramar as palavras que quisera lhe dizer e você, com os olhos prometendo tudo e as ações que não dizem nada. Será por quê? É tão difícil tudo isto, que às vezes (que Deus me perdoe!) sinto vontade de abandonar tudo e deixar você sozinha. O amor é tão simples, tão fácil... Por que será, meu Deus?

Ontem à noite, por exemplo, quase não dormi. Estava agitado, ensaiando mil e uma palavras para lhe dizer quando nos víssemos em outra ocasião, palavras que são concebidas, nascem, vivem e morrem somente no meu coração. Não é timidez, você bem sabe que não sou mais assim, é mais uma das coisas estranhas que a vida tem. Como o amor, iguais ao nosso amor.

Eu sei que as palavras pouco resolvem, mas alheiá-las inteiramente de nós é uma coisa impossível.

Estou pensando em terminar, mesmo porque, no fundo, sinto que não comecei nada, estou apenas confirmando o de há muito sentido. Sentir, sentir, sentir... Será o amor apenas um sentimento, ou será também uma realidade? Quando nós dois teremos a eterna compreensão, amor que já foi decantado por milhões antes de nós? Talvez, se nos tivéssemos entregado um ao outro às cegas, sem perguntas, sem porquês, completamente inconscientes, quem sabe teria sido melhor?

Eu quisera saber tanto, por isso desculpe as interrogações em cada linha. Desculpe também ter deixado a entender que terminaria rapidamente esta, desculpe os constantes atropelamentos das minhas ideias, pois tudo em minha mente está confuso, diluído no tráfego da indecisão. Só você vive bem clara e distinta em minha alma. Talvez o futuro tenha uma resposta mais convincente para nós, pois, eu pelo menos, me estou sentindo perdido e insignificante em relação a tudo que me rodeia.

Desculpe-me, mais uma vez, não ter chegado a lugar nenhum, pois parece que minha sina é a dos barcos perdidos. Mas fique com a certeza de que eu não disse nem metade do que tenho pra dizer. Até o nosso próximo encontro, até domingo, se Deus quiser assim.

Quem muito lhe estima e espera,

W.

 

William Santiago
Enviado por William Santiago em 18/11/2022
Reeditado em 09/12/2022
Código do texto: T7652491
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