Um dia depois de ontem a noite.

Quase 10 anos que nos conhecemo,

Quase 4 anos que mal nos falamos,

Quase uma infinidade de coisas que ficarão nesse "quase"

Você e eu somos uma delas.

Por medo, por receio, culpa, falta de aceitação de si, dos sentimentos e das situações, assim um milhão e meio de desentendimentos surgiram entre nós, você sempre foi o que mais quis alcançar, o que mais admirei, o que sempre achei uma honra tremenda, e o que mais abdiquei nessa vida também.

Nunca pensei merecer, tudo que eu via quando olhava você, queria que fosse assim, queria que fossemos nós, queria tanta coisa que nunca disse, acima de tudo queria ter sido a escolhida por você, eu poderia não me achar, poderia estar perdida, mas desde que me encontrasse eu estaria bem, desde que me escolhesse eu nunca iria embora, mesmo que me escolhesse por companhia, para ser um adorno, para apenas olhar pra mim quando lembrasse que eu existia.

Ainda assim nunca me escolheu, por isso me vi forçada a eu mesma me escolher, por um lado pensei, que isso era o natural, afinal de tantos, porque escolher a mim?

Depois pensei, que o fato de gostar tanto de você, de praticamente idolatra-lá era algo meu e muito pouco tinha haver com você, no fim pude descobrir ontem, que de fato assim o é.

Amei você desesperadamente, e sufocadamente, e nunca lhe deixei claro, quando o fiz, joguei em você uma enxurrada de sentimentos reprimidos e não me surprende que você tenha se ferido com isso mas, eu gostava de pensar que você era a egoísta do enrredo, que você sempre teve a mim para fazer-lhe o que quisece, que seu conhecimento sobre isso era tão claro que até escolhia não me deixar ir, mais em momento algum me havia pedido para ficar.

Claro que pensando assim você facilmente seria uma vilã de novela, mas a verdade que descobri ontem é que você sequer sabia, que nunca sequer passou em sua cabeça, até que de forma rude eu despejei a verdade em você, e no fim vi que egoísta fui eu por não compartilhar com você um sentimento tão avassalador quanto esse. Me fez sentir meio boba, e bem distraída, mal dormi essa noite, me sinto cansada, como se eu tivesse o tempo todo fugido, quando na verdade era só parar de correr, não sei o que vai acontecer, não desejo ter esperanças, porque por experiência própria elas mais machucam que protegem, não sei o que vai fazer agora que sabe do todo da história, aquela que escondi de você por dez anos, a mesma que nós uniu e que nos separou, eu pensei que nunca lhe diria. Tive na minha encarnação muitos parceiros amorosos, mas você foi o meu primeiro amor, e esse titulo de imperatriz que lhe dei a primeira vez que a vi sorrir sem nem saber se o merecia ou não, será seu até o dia que o balsamo da minha vida escorrer, meu primeiro amor, minha pequena princesa, meu refugio de pensamentos obscuros, me amando ou não de volta, percebo que não mudaria o resultado. É tão clara a consistência desse sentimento em mim, que não busco por sua aprovação, e embora eu a queira também não busco a sua companhia, respeitarei qualquer que seja sua decisão, até porque percebo que o prisma de visão que tenho de você, se nubla sempre que te olho, por passar pelo espelho que são meus sentimentos, e por isso ao mesmo tempo que me sinto traída por mim mesma por amar ao espectro que eu mesma criei de você e que nem sei se em algum momento existiu, sinto que eu me trairia por recusar em mim o sentimento mais confuso, delicado e avassalador de toda minha vida.

Pensei muito essa madrugada se isso seria um tipo de relacionamento diferente se eu não tivesse fugido de você e penalizado a mim mesma com a sua ausência por acreditar que não deveria te obrigar a ter minha companhia, você mesma disse que nunca me pediria por ela pelo mesmo motivo, por temer estar fazendo algo que fosse contra minha vontade, mas se é assim então apenas um pouco, pense em como me senti, caso me pedisse eu ainda poderia recusar-me se fosse minha vontade, mas como nunca me pediu sempre pensei que te forcei tudo, que nunca existiu nada além da minha vontade sobrepondo a sua, de forma arrogante e até cruel, como nunca pediu minha companhia, meu colo, meu abraço, meu coração, sempre pensei que eu simplesmente forçava a minha vontade em você e que preferia que eu não estivesse lá, que eu não aparecesse, que eu não fosse, pensei que só não tivesse coragem ou força de me expulsar ou de dizer em clara voz, como um fora educado e diplomático, nunca imaginei que minha ausência lhe faria falta ou que pudesse fazer com que se sentisse usada, por que exatamente assim eu me senti, e no fim de tão parecidas espelhamos os mesmos sentimentos por quase uma década.

Ainda assim pensando no passado, eu não mudaria nada, se mudasse nunca teria sido capaz de tirá-la do pedestal que te coloquei, nunca seria capaz de conversar francamente com você como ontem a noite, nunca teria dito tão abertamente como agora por essa carta, que senti falta de você e do sentido que escolhi lhe dar em minha vida, por isso não se importe com qual será sua escolha, independente do que nós não seremos a partir daqui, você sempre será você, e em minha vida sempre haverá lugar para o meu primeiro amor, e por toda a gratidão que tenho pela existência que é você, sou grata por te conhecido, por ter amado alguém como te amei, e que é por tudo isso que não me deve nada, apenas me envergonho da péssima postura que apresentei até aqui, mas de fato peço que entenda, que nem toda a etiqueta, ou livros de José de Alencar no mundo, seriam capazes de me preparar para o que se passou em mim em relação a você, talvez se vivessimos no século XIX, teríamos sido inspiração para uma de suas nobres citações, talvez se fosse o caso, nós teríamos tido um fim como o de Senhora, e após ser comprada para ser seu nobre marido, eu pudesse provar meu valor e ser digno do perdão e de conquistar verdadeiramente seu coração, ou como em Diva, onde mesmo sendo uma mulher forte e decidia, poderia me prostar aos seus pés e lhe dizer meus sentimentos, pedir para que fique em minha vida, mas não estamos no século XIX, eu não sou um marido comprado, e você não é minha senhora, nem que me proste diante dos seus pés como Emília, que abra mão do meu orgulho como pensei ter feito um dia, não mudaria o nosso desfecho, o nosso ontem a noite, eu descobri que não preciso idolatrar você e que como qualquer pessoa, você vive, erra e aprendi, e entender isso é fascinante, porque agora não me sinto indigna, e por assim ser tudo que nunca foi possível, talvez agora seja, e se não o for, sei que dessa vez não morrerei por isso, aprendi a ver que meu valor não depende da sua aprovação, mesmo que eu ainda a ame com todo meu coração, amar você é uma escolha minha e que não requer sua permissão ou a de outro qualquer, amar você é um fato que não muda por não te ver, por não ter notícias suas, por você não me pedir pra ficar, mesmo assim amar você é algo que existe dentro de mim e não fora, negar isso ou tercerizar responsabilidades não mudará que o que eu sinto por você ainda sou eu quem sente, decidi fazer as pazes com isso, e sentir abertamente, pois nada que me digam mudará em mim esse sentimento, e por isso mesmo, toda a pressão, toda confusão e toda a expectativa como que por um passe de mágica sumiram, e eu posso simplesmente admitir a mim mesma, que mesmo que lhe ame mais do que sonhei um dia ser capaz, não preciso de você, mesmo que todos meus planos possam ser mais brilhantes com você lá, a sua ausência não os impede de acontecer, e essa é a ordem natural das coisas, e mesmo ela não é capaz de subjulgar ou mudar o curso desses sentimentos, que hoje não são de posse, nem de idolatria, nem medo, nem zelo, acho que entendo agora o sentido da palavra amar, esteja onde estiver, como e com quem estiver, eu ainda amarei você, não é o tipo de coisa que se desfaz, nem o tipo de coisa que se regula, nenhuma decisão cortará isso, por isso independente do que diga quando a proxima noite chegar, eu ainda amarei você.

dia 26.08.2022