1000 cartas pra você | atrevo-me a dizer que amo hoje muito mais do que julguei possível amar

RE: 1000 CARTAS PARA VOCÊ | ENTRE ESCOLHAS E RENÚNCIAS, FICAR E IR, MAS NUNCA DEIXAR DE TE AMAR

 

     As linhas de sua carta construíram uma ponte segura para inspirar a resposta mais pura. Em uma única oração seria dito o essencial, aquilo que meus olhos não fariam rodeios para revelar.

     Comprometi-me a sair desse interminável ciclo de lições ignoradas, propósito renovado a cada amanhecer. Batalhas desafiadoras estão em meu encalço e por maior que seja o medo em algumas ocasiões, respiro fundo e recorro à fé.

     Passei por grandes furacões categorizados na intensidade máxima, não nego, todavia, reconheço minha parcela de culpa e assumo a responsabilidade pelas escolhas feitas. Aprendi através da dor e sempre terei gratidão a quem me estendeu a mão quando eu me encontrava sozinha, perdida, aflita e desesperançosa. Caminhei sem rumo debaixo de chuva, desejando que o aguaceiro lavasse a alma de toda a dor que a sua partida causou.

     Vivi o mesmo dia tantas vezes que decorei todo o itinerário. Quando a desesperança atingia o auge, concluía que alimentei um sonho que fazia sentido somente para mim, sendo devorada pelo vazio, questionando o universo acerca das dúvidas que me roubavam o sono. Sem nenhuma resposta satisfatória, apelei para as suposições.

     Se ir embora não era sua primeira opção, o orgulho sobrepujou a confiança e deteve os ímpetos de você de se mostrar a mim sem receios. Eu adoraria ter segurado na sua mão, nunca se esqueça disso. Ao estar com você, aceitei também navegar ao seu lado em tempos de mar revolto. Não seria incômodo guiar o barco quando seus braços estivessem cansados de tanto remar, nunca ficaríamos à deriva se dependesse de mim. Nas noites sem luar dormiríamos relembrando histórias de tempos distantes, mentalizando a motivação necessária para não sucumbir.

     Paro por um instante, observo o céu noturno encoberto, retorno e submeto o rascunho a uma revisão inicial. As palavras estão me auxiliando nessa catarse, compreendo agora que não foi apenas o seu silêncio que nos condenou a suportar o peso dessa ausência, o meu contribuiu (e muito) para esse cenário deixar de ser uma insegurança para fazer-se realidade.

     Tímida desde que me entendo por gente, usarei esse álibi. Confesso que antigos traumas bloquearam a espontaneidade e moldaram minha maneira de ser. A aparente “plenitude” não passa de disfarce, foi o preço para sobreviver nesse mundo de “gente grande”. Não chorar mais na frente dos outros, filtrar o que deve ou não ser dito, quem é amigo, colega e quem nunca se importou, o quê e quem deve permanecer no passado. Autopiedade e retrocesso caminham de mãos dadas.

     O medo de perder nunca foi um pensamento intrusivo. Precisamos concordar que embora o amor seja mais forte que quaisquer obstáculos e circunstâncias, a incerteza nos rodeia. Eu queria apenas que você ficasse. Sempre que num sonho ruim você partia, eu acordava, te via e me sentia agradecida por todas aquelas visões ruins não passarem de um sonho ruim.

     E num dia não era sonho. Você foi. E eu, atordoada demais, passei duas horas deitada na mesma posição, chorando baixinho, uma parte de mim entorpecida pela negação e a outra, a que viria a se manifestar com muito mais potência, também estava sem ação. Chorei todas as noites nos primeiros meses porque as lembranças estavam impregnadas por todos os cantos, fugir seria uma alternativa muito cômoda, claro, se pudesse deixar a dor no acostamento, não podendo, apelei para os disfarces de “gente grande”.

     Isolar-me serviu durante os primeiros dias, quando chorar era o que restava. Mais fortalecida, era hora de voltar à vida normal porque você havia ido embora e eu não sabia se esperava seu retorno ou seguia em frente. Na dúvida, decidi aguardar, afinal de contas, aquele era meu consolo, pensar que um dia mataria a saudade de você com um abraço e sentiria meu amor mais fortalecido e preparado para outras batalhas tão desafiadoras quanto àquela.      Entretanto, se estando ao lado das outras pessoas eu não encontrava alento, sozinha era pior porque os pensamentos sempre me levavam até você e a pessoa que eu era antes do inevitável.

     Alívio encontro em suas confissões e estou certa de que demos um passo significativo para consumar nosso amor ao nos mostrarmos tais quais somos, com inseguranças, imperfeições, melancolias e desejos. Atrevo-me a dizer que amo hoje muito mais do que julguei possível amar.

 

— de quem padeceu uma longa espera por confiar que um verdadeiro amor nunca morre

Marisol Luz (Mary)
Enviado por Marisol Luz (Mary) em 10/10/2021
Reeditado em 04/02/2024
Código do texto: T7360854
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