Somente a você

Curitiba, 12 de junho de 2021.

 

     Cartas de amor não são uma habilidade que eu domine. Não possuo experiência, tampouco sei o que dizer nelas sem soar piegas ou me travar tanto que beire a um inquietante monólogo impessoal. O que a timidez encobre, a escrita revela. Os tímidos sentem-se muito mais à vontade quando as pontas dos dedos fazem a junção das letras, que se tornam palavras e preenchem as linhas com pensamentos mil, todos em sintonia com o que há de mais belo e puro a ser oferecido.

     Escrevo-te numa noite de dia dos namorados. Passei a data sozinha, nenhuma novidade até aqui. Todo ano aguardo um milagre que até agora não aconteceu, mas a esperança é a última que morre e por você vale a pena ser piegas, sair um pouquinho do casco, pois somente aqueles que mesmo com medo tentam, podem dizer que lutaram. E nesses tempos tão difíceis que estamos vivendo, a saúde é o bem mais precioso, o ato de respirar é uma bênção, ter o que comer, água potável para beber, onde morar, o que vestir, calçar, pessoas que se importem, ainda que não sejam milhares.

     Seria um grande privilégio conquistar sua confiança, ter a oportunidade de adentrar em seu mundo e ser convidada a fazer parte dele. Morar no coração de alguém é um presente de inestimável valor, pois a semente que cresce, quando floresce, revela seus doces encantos. Neste momento pouco há o que possa ser feito, a noite cai, e ela será longa, como todas as noites são quando o que te falta não pode ser comprado ou implorado.

     Sempre fui a garota que amava a primavera, mas nunca ganhou flores de ninguém. Que nunca foi pedida em namoro, chamada para dançar uma música lenta, apenas viu as histórias do alto da janela, parecendo elas distantes demais da realidade. Que, pudera, também não sabe como é um beijo de amor. Que nunca recebeu uma carta de amor para ter ideia do que se escrever em uma, embora cada pessoa seja tão única e mereça a liberdade de conduzir os escritos da forma que lhe for mais confortável. Que, escrevendo, bate as asas e voa para onde o destino lhe guiar, mas às vezes gostaria de em algum coração morar, dentro de um abraço se entregar, se permitir ser cuidada e protegida.

     A distância só se apresenta como sendo um real obstáculo quando não há nenhuma motivação em contorná-la. Ela não impede sentimentos de nascerem, crescerem e indicarem um novo caminho a trilhar, talvez diferente do esperado, mas muito, muito melhor, quando levado em consideração. Os imprevistos e suas nuances dão à vida a emoção na dose certa. A princípio os pés não sentem firmeza em dar o primeiro (e ousado) passo, porém sair do lugar é dar início a uma aventura totalmente nova, libertadora. E, inevitavelmente, o recomeço nos move.

     Nos pequenos detalhes tento me revelar, não de forma excessiva e incômoda, mas deixando pistas para ser encontrada... por você. Porque se eu me escondesse de todo, não seria justo. E eu já fiz isso. Na verdade, durante boa parte da minha vida o casco foi o meu refúgio preferido. Era cômodo permanecer lá e evitar tudo que me tirasse da zona de conforto.

     Busco mudar, sim, mas não a ponto de me tornar irreconhecível, uma farsa ambulante. E porque faz-se necessário. Desejo lutar, lutar como nunca antes experimentei. Desapegar-me de tudo aquilo que não faz sentido guardar, cuja energia fica retida, atrasando o progresso. Respeitar as pausas, os silêncios, até mesmo os inevitáveis retrocessos, comuns a uma longa jornada. Porque embora se tenha a sensação de que a batalha está perdida, nesses momentos o coração pede para ser ouvido com clareza para que o despertar tenha embasamento e não seja limitado a frases de efeito.

     Por você vale a pena trazer na bagagem as recordações que possam servir de inspiração, transformar as más experiências em aprendizados. Porque viver o presente, de todos os desafios, é o maior. Quando os pensamentos não estão agarrados ao já finado passado, miram com muita expectativa para o futuro, sendo que ele não passa de um rascunho, um vislumbre.

     Ainda que seus dedos não possam tocar as bordas da folha de papel e tampouco seja possível aspirar a essência das gotinhas de perfume borrifadas para aproximar um distante abraço, sinta meu amor a cada palavra cuidadosamente escolhida para tocar o seu coração. Elas desejam te envolver num abraço apertado, oferecer calor humano e mostrar que em tempos nos quais demonstrar sentimentos é "fraqueza", existem exceções. Leia sempre que precisar, para o coração se enternecer e a dor arrefecer, para reconectar-se com sua essência e se lembrar do motivo pelo qual você deve sempre ser você: isso é o bastante para quem te enxerga com amor.

     Antes, muito antes de essas linhas serem uma extensão do afeto que transborda, meu coração sabia que era amor.      Não podia não ser. Senti que te conhecia de algum lugar, mas mesmo obrigando minha memória a lembrar, a verdade é que eu não tinha uma resposta pronta, nenhum apontamento, porque nunca antes tinha te visto. O que se desenrolou foi consequência de olhar para o próprio coração e me permitir sentir sem medo aquilo que era completamente novo para mim.

     Esse sentir trouxe-me até aqui. E do meu jeito meio simples, meio bobo e nada poético, eis a carta de amor, não a mais bela nem rebuscada, mas aquela em que o sentimento inspirado é verdadeiro. Apesar de ter protegido seu nome, ela é endereçada a você. Somente a você.

Marisol Luz (Mary)
Enviado por Marisol Luz (Mary) em 13/06/2021
Reeditado em 08/01/2022
Código do texto: T7277595
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