Ao meu aluno
Quando chego à escola, o meu bom-dia perde-se no vazio do teu olhar. Procuro em ti vestígios de alegria e me deparo com perguntas.Mudas perguntas. Porém... infinitas!
O teu rostinho marcado por lágrimas, resquícios de tapas, de brigas, de palavras... Marcas da vida!
Teu sorriso ausente fala mais que o riso ensaiado, forçado, confundido num traço de alegria e dor.
Teus sonhos...Ah! Será que sonhas?
E eu? Ainda tenho sonhos para te entender? Ou... Por não me sentir capaz de tê-los, não te permito viajar pelo país da fantasia?E... Lá no teu canto te escondes da vida povoando teu mundo de fantasias ou monstros. Como será que entro no teu mundinho? Fantasia ou monstro?
Quando às vezes te vejo, te sinto, te abraço, te mando uma carícia, me devolves um sorriso, nos encontramos no espaço, criamos um laço e te perdes em afago destruindo barreiras. Aí... Encontro-me. No toque, te encontro, te entendo, então me respondes com um sorriso feliz.
Mas... Se te olho e não vejo, a indiferença que sentes chega a ser violenta, tu gritas em silêncio querendo um abraço, desmanchando o que faço. Me agrides, me bates, estás batendo em ti.
Meu aluno... O que faço?Desespero-me e grito.Sinto-me perdida.
Tu és meu problema. Ou serei eu o problema?
Proponho-te uma troca, me torno psicóloga, advogada, palhaça, outra vez sou juíza. Tua amiga me faço, me igualo a ti, me despojo de títulos, sou mais uma aprendiz.
Porém... Nem sempre chego a ti e também me torno infeliz.
És tão mal comportado, tão danado e agressivo que às vezes até tenho raiva de ti. O que escondes atrás dessa agressividade?
Estou sempre tão atarefada, envolvida em meus próprios problemas que não consigo ler os teus sinais. E às vezes são tantos! Quando posso tento decifrá-los mas não me aprofundo porque tenho tantos outros alunos-problema e o meu tempo é tão resumido para ti. Tenho que correr para outra sala de aula, outro colégio, outra realidade tão diferente e ao mesmo tempo tão igual à tua. E lá mergulho num redemoinho de atividades que às vezes te esqueço, esquecendo também que ter problemas não é privilégio de adultos e que os meus nem sempre são maiores que os teus.
São tantos por quês, tantos mas...
Tomo decisões nem sempre coerentes.
Se ralho, te amedronto.
Se calo, te abandono.
Se te enfrento, sou pequena.
Defrontamos-nos numa luta desigual.
Faço-me surda para um grito que não ouvi.
Esqueço que às vezes me omiti, em outras te agredi.
Desisto de te entender afinal tenho que passar o conteúdo, tem uma sala inteira à espera da minha aula.
E, quando o dia termina voltas povoando a minha mente, martelando num grito mudo. Por que será que esta imagem insistente não me deixa pensar nos tantos outros afazeres? O que tens de tão especial que eu não desligo? Tantas crianças “boazinhas” e eu penso logo em ti?
E... Muitas vezes no rostinho do meu filho, te vejo pedindo um carinho. Então penso em como poderei chegar a ti. O que poderia ter feito e não fiz? Como será a próxima aula? Poderei te compreender? Ou será mais um embate entre professor e aluno? Terei sabedoria e humildade para aprender contgo? Sei que ainda tens sonhos a viver. Muitos sonhos... Podemos sonhar juntos? Te impulsionarei a vôos mais altos que os meus ou estarei assassinando tua vontade de crescer?
Transito entre questões fundamentais e ainda não tenho respostas que me satisfaçam. Não posso pensar que amanhã terei um tempo para pensar, pois lá estarás e, parece-me a escola é o teu refúgio. Te encontro igual a tantos outros dias, calado ou agressivo, provocando um rebuliço em minha vida.
Falamos em mudanças comportamentais. Mudanças suas, não minhas. afinal sou a professora, estou com a razão. Mas... Será que somente ti precisas mudar? E eu, por que não me coloco no teu lugar? Não deverias pensar um pouco na minha correria e no meu stress para sobreviver?
De quem é a culpa? Tua ou minha? Tu: um pirralho. Eu: a mestra!
Sei que precisamos fazer alguma coisa.
Me vem uma idéia...
E se mudarmos nós dois? Juntos, um aprendendo com o outro?
Tenho que rever conceitos e atitudes preciso me tornar um adulto-criança, descer do alto da minha experiência e adotar uma postura horizontal para te compreender e te aceitar.
Mas eu ainda não sei fazer isso. E se eu não conseguir sozinha?
Pode ser que eu precise de ti para orientarme. Livros e teorias, de repente, não me bastam, talvez tenhas que me dizer: muda professora!
Se preciso mudar para te alcançar eu tentarei se isto te ajudar a acreditar um pouco que valerá a pena.