II – A última gôndola

Dentro de um contexto profissional e de tutoria questionei uma aluna sobre seu projeto de vida, sua resposta me fez parar e pensar profundamente quanto a sua perspectiva. As circunstâncias e os vícios me levaram a esperar uma resposta objetiva, como por exemplo: quero ser médica, ou arquiteta, etc. Por mais incrível que pareça, ela me disse: meu projeto de vida é ser feliz. Sua resposta me fez questionar muitas coisas, inclusive, minha própria vida e o meu conceito por felicidade, quão tão profundo foi.

O dicionário define felicidade como qualidade ou estado feliz, estado de uma consciência plenamente satisfeita, contentamento, bem-estar, boa fortuna, sorte. O escritor espanhol e jesuíta do século XV Baltasar Gracián disse uma vez: “Todos os mortais estão em busca da felicidade, um sinal de que nenhum deles é feliz.” E, de fato, nunca estamos satisfeitos, estamos numa constante busca por algo que não conhecemos muito bem e isso nos leva a um caminho estritamente sinuoso e muito cofuso. Contudo, outros pensadores como Aristóteles, o mais proeminente dos filósofos metafísicos disse certa vez que a felicidade é o maior desejo dos seres humanos. De acordo com Aristóteles a melhor maneira de ser feliz é através das virtudes. Cultivando as boas virtudes a felicidade será consequência. Ainda dentro desse contexto teórico, não podemos deixar de mencionar a “Escola da Felicidade” fundada por Epicuro, filósofo grego que divergia da escola metafísica. Epicuro acreditava que a felicidade era fruto e provinha somente do mundo espiritual. Ele acreditava que o amor, ao contrário da amizade, não tinha muito a ver com a felicidade. Insistia na ideia de que não devemos trabalhar para adquirir bens materiais, mas por amor pelo que fazemos. Temos também Nietzsche, que ao contrário de Epicuro, acreditava que viver pacificamente, sem preocupação era um desejo de pessoas medíocres e que não davam valor as vicissitudes da vida, ou seja - Nietzsche dizia que era preciso viver intensamente e que tudo valeria a pena na busca pela felicidade, inclusive as decepções e suas circunstâncias.

Uma coisa sei, sei que não posso definir felicidade por outrem. Alguns encontram a felicidade no conforto físico, outros no conforto espiritual, outros talvez em ambos. Contudo, o que obscurece esse estado é sempre o desejo de querer. O preço a se pagar sempre será alto e nunca satisfatório. Explico essa condição no capítulo I dessas memórias: O Círculo dos Desejos. Em síntese, estamos presos a tudo que queremos e quando conquistamos algo, lançamos mão de outra meta. Dessa forma, ficamos refém das condições e dos interesses do ego.

Dentro da prática Zen pude perceber a sutileza do infinito/finito e o efêmero tempo das possibilidades. Posso dizer, com toda certeza, que a felicidade, sim é um estado variante, contudo, também notei, ainda que de forma sútil, que é possível sua perpetuação. Para uns será mais fácil, para outros demandará mais labuta no sentido de disciplina e percepção. A percepção é muito importante nesse processo. Como disse, não será da noite para o dia que uma flor de lótus irá desabrochar e tudo fará sentido. Geralmente não é assim. O Zazen me proporcionou momentos muito íntimos de percepção. Conceitos construídos historicamente e socialmente, que estavam em mim durante 40 anos e pude observá-los com nitidez e descobri-los nas suas piores e mais belas formas.

O que quero dizer é que a felicidade não está só no amor ao próximo, nas vicissitudes da vida, em sonhos, no sagrado, na família. Todos esses fatores podem ser condições para. O que quero dizer é que a felicidade está na invisibilidade de cada átomo, nas menores partículas, no odor da noite, no molhar do orvalho, no som do riscar do lápis, em saber que ao plantar uma árvore, talvez não tenha tempo para sentar-se a sua sombra, etc., etc., etc. Pasme! Ser feliz é saber que a opinião de quem, outrora poderia lhe magoar, ou lhe ofender, é na verdade uma representação daquilo que o sujeito construiu conceitualmente durante toda sua vida, são seus sonhos, seus desejos - e que reproduz uma “realidade” própria, única e não observada conscientemente.

Em suma, meu caro leitor, o caminho para a felicidade está na atenção que você dá aos detalhes e às oportunidades que são criadas dentro de uma lógica pouco compreensível e muito sútil. Quer a felicidade para sempre? Comece tomando um café, se você preferir, um suco, ou chá – observe o copo, seu formato, textura, a coloração da bebida, sua temperatura, seu primeiro contato com os lábios, sinta seus receptores de sabor analisando a bebida e como esse gosto viaja até seu cérebro e assim por diante. Esteja presente e consciente de você mesmo. Esse mesmo exercício pode ser praticado em outros contextos, tente essa experiência quando estiver em família, observe como você se relaciona com seus filhos, esposa, esposo, etc. Desse modo, você criará uma rotina totalmente presente e tudo o que lhe faz infeliz terá menor valor e espaço dentro das suas escolhas. Que todos os seres sejam beneficiados! Gasshô!