Bagagem - carta pessoal

Olá, Amigo,

Há tempos não te escrevia. Mas hoje, senti e entendi essa necessidade de falar contigo mais intimamente, escrevendo-te, e guardando nossa conversa.

Preciso começar nossa prosa te agradecendo por não se cansar de mim, por não me abandonar, por ouvir minhas queixas, gritos e injúrias, por não fechar a porta para mim, mas optar por ouvir meus gritos e desabafos raivosos, generosamente me perdoando e direcionando.

Agradeço-te por me conhecer a ponto de aguardar eu me acalmar, quando não sou capaz de ouvir, para corrigir sem confrontos, porque não reajo bem a estes. Pensando nisto, confesso que preciso aprender a parar de exigir dos outros, mesmo dos mais íntimos, o tratamento que apenas Tú podes dispensar a mim, por seres a perfeição que ninguém mais, inclusive eu, é capaz de ser.

Ainda agradeço-te por ser meu alento, ombro, afeto, abrigo e amigo quando sempre busquei isso em outros, nunca me lançando em rosto o óbvio (que meu coração, teimoso, não era capaz de aceitar), que Tú, oh Amigo, és de a minha porção diária plenamente satisfatória. Todo o restante era, e continua sendo, apenas fantasia e momentos de uma vida, mas Tú, a eternidade em mim, és real e definitivo, me mantendo no eixo. Muito embora meu coração, enganoso, insiste em não te aceitar como único necessário, sei que com nenhum outro que busquei teria a paz e o aconchego que tenho contigo. Por isso prometo guerrear comigo por Ti.

Não tenho me portado como Tú te agradarias, mesmo assim me dissestes, pessoalmente, ao meu ouvido, que me amas (Linda declaração de amor, num momento que nem eu me amava!). Isso é que é amor eterno.

Por minha vida, passaram muitas pessoas, e muitas mágoas acumulei ao longo do caminho. Não as quero mais: estou cansada de carrega-las, me cansam muito e pesam pelo caminho. Também não quero mais o peso de reclamar de tudo, das dificuldades, das cargas que me incumbistes de levar, das adversidades, das pessoas difíceis que colocar em meu caminho (com propósitos específicos), das esperas prolongadas por benção que desejo, dos sonhos que não se realizam. Cansei de reclamar porque isto me deixa pesada e sem forças pra prosseguir. Leva embora toda vontade de reclamação, por favor.

Também peço que tires de mim (não quero mais) toda crítica destrutiva às dificuldades das pessoas ao meu redor. Refiro-me àquelas dificuldades que me impedem de amá-las e tolerá-las. Não quero mais isto em mim: além de não servir para nada benéfico, a insistência em evidencias, sem razões bondosas, as falhas de outrens me contaminam com a semente da maldade.

Outra coisa da qual preciso me livrar é a postura de vítima. Esse vitimismo tem me impedido de seguir em frente, amarrando-me a correntes de mágoas e desafetos, em constantes necessidades de revidar, nem que seja lançando em rosto os maus feitos dos outros. Não é que eu esteja virando santa ou coisa parecido. A o motivo é, na verdade, bastante racional: essas amarguras me envenenam contra as pessoas à minha volta, me isolam dos relacionamentos, ou os tornam falsos, me adoecem e envelhece-me, me cansam e reforçam minha solidão. Analisando tudo isso, concluí que sai mais barato (e leve) seguir tua recomendação de perdoar, por isso preciso me livrar de mais este peso.

O medo dos outros, de me relacionar com outros, de me envolver, atrelado ao pressentimento pessimista de sofrimento, também precisa sair da minha bagagem, com a tua ajuda, é claro. Ele me trava, me impedindo de construir laços, de viver momentos que a vida, pelo caminho a fora, vai me proporcionando. É torturante este medo, porque me torna prisioneira de mim mesma, escrava do isolamento e solidão. Não o quero mais em mim.

Limpai-me também de toda preguiça. Preguiça de ler, de colocar os projetos em ação, sair do conforto para ajudar necessitados, de me esforçar o necessário e acima disto. Quero ver-me livre dessa preguiça que me doa todo o comodismo e tranquilidade, ainda que o custo seja o esforço e trabalho duro, o tempo doado ao outros. Entendo, hoje, que mais vale o muito trabalho e esforço que o tempo gasto no sofá.

Se não for pedir muito, também gostaria que me livrasse do medo de tentar, que tão de perto me persegue, a ponto de eu sentir seu arfar em meu pescoço, correndo atrás de mim, tentando me alcançar. Quero manter minha liberdade de entendimento e tomada de decisões, quando necessário, sem medo de mudar, de seguir por outro caminho, com plena ciência dos riscos, planejamento adequado para cada um deles e coragem para mudanças.

Não querendo abusar (já estou terminando) gostaria ainda que me dessa bastante paciência e sabedoria para momentos que exigem calma, autocontrole para minha ira, que é extrema, e sabedoria para usar toda a minha fúria, ira e impetuosidade, com elegância, inteligência e certa dose de sarcasmo, em momentos que exigem ação, crítica, atuação, posicionamento, autodefesa, defesa de outros (momentos para falar, para sair do silêncio). Sei que me destes todas estas habilidades, mas ainda as percebo, em mim, separadas. Mas, creio que, com certa dose de tua sabedoria, posso coordena-las para que atuem em conjunto e harmonia, para propósitos do bem, em vez de crises de fúria, resultados de indignação e boas intenções.

Por hora, vou terminando por aqui. Mas manterei contato. Vou continuar nossas conversas diárias e, de vez em quando, até escrever novamente. Não tenho a intenção de desistir das nossas conversas ou tentar desfazer os laços que nos unem, até porque eles são eternos, advindos da minha criação, graças a Ti.

Desde já, agradecida por tudo,

Tua amiga de sempre.

02/01/2018

Marta Almeida: 02/01/2018