DEPRESSÃO, CIRCUNSTÂNCIAS E O CORDÃO UMBILICAL
Meu querido colega e amigo RP! Sei bem o que é a tal de depressão. Tivemos casos em pessoas muito próximas no âmbito familiar. Uma barra! Mas, pelo que vejo, estás no caminho da vitória sobre a enfermidade. Assumir que a depressão bateu em nossa porta e ser lucidamente sabedor de sua dimensão e os correlatos neurológicos e comportamentais, já é meio caminho andado para a paulatina regressão do conjunto da moléstia. O depoimento que ora prestas é um bom indício do restabelecimento dos patamares de conforto. Bem, desejo saibas que estou contigo por amigo e admirador quase silencioso frente às tuas corajosas e bem postas abordagens e animadas interlocuções. Podes contar comigo para qualquer necessidade premente, mesmo que hoje eu esteja morando em Passo de Torres/SC, cidade praiana onde temos um chalé com jardim, pátio, flores, três gatos de apartamento que estão também vencendo o medo dos terrenos baldios, das noites escuras e dos vira-latas que vêm comer a ração felina com pompa e circunstância, peitos estufados e afiadas garras; muitos sapos gordos, escuros e barulhentos, quando há chuva; alguns canários da terra, bem-te-vis, andorinhas, saíras e outros alados que nos fazem companhia, mas que também fogem dos ofídios no terreno baldio de defronte. Dia desses, um gavião caramujeiro fazia um trotoir alado com uma cruzeira no bico... Porém, há um sol miúdo nos olhos primaveris e um vento trazedor de tainhas para os botos que lhes correm nos garrões. Os araçás estão tomando cor e tamanho, enquanto as pálidas onze horas reclamam do horário de verão que lhes descontrola o abrir das pétalas... Eu e minha parceira fugamos da cidade grande a fim de diminuir o universo de preocupações e de exposição ao risco pessoal, devido à insegurança e acúmulo de compromissos. Digo isto para te por à disposição o meu rancho, se desejares. É só me avisar que acertaremos o como chegar aqui. Quem sabe umas boas horas molhando as iscas no Rio Mampituba possam acalmar essa cuca de bom pensador e esse coração sobressaltado pelo conjunto da vida nacional, que tantas vezes já expusesse por aqui nestes últimos tempos em que o Brasil está sendo passado a limpo. Conta comigo! Avisa, caso precises de minha presença mais ao alcance. Que o Absoluto te proponha a paz e restabelecimento físico e espiritual de que ora estás necessitado. Somos da velha Brigada do Rio Grande, e saibas que também devido a este cordão umbilical corporativo não estás sozinho... Abração do poetinha JM.
– Do livro A VERTENTE INSENSATA, 2017.
http://www.recantodasletras.com.br/cartas/6146698