silêncio
“…bendigo o silêncio que me envolve… há tão-somente o chilrear dos pardais que no meu quintal fazem os tais voos palermas… são imensos e, neste momento, com o vento norte que sopra um pouco forte, esse piar dilui-se porque o som vai para sul deste meu canto... me encanto, sem espanto, neste doce manto de paz e de solidão... não estou triste nem a mágoa me consome apesar de tal estado ser enorme... me entrego a ela em paz e com muita serenidade… não faço alarde nem a tento afastar... aguardo apenas… aguardo o que houver para aguardar… não vou apressar o passo para passar em frente o que tenha de vir ainda a passar… não sei o que está para vir mas sei que algo virá... bendigo, pois, o silêncio que me envolve... sinto-me nele como dele fosse parte e não existisse sem que ele me deixasse… penso mesmo que, presentemente, eu deixaria de ser o que sou se o silêncio me abandonasse… no entanto, grito e desejo que tal aconteça, grito e anseio que ele desapareça, que algo surja para eu rir às gargalhadas... porém, me assalta uma dúvida: que outra paz e serenidade poderei ter se este silêncio me abandonar?... será que a luta e o movimento será uma outra paz?... será que quando o actual silêncio me abandonar eu irei ter novamente um outro silêncio?... há muito já que ele faz parte de mim, ou se calhar não tanto tempo assim… todavia, a contagem até nem é importante, nós é que damos a importância que se sente deva ser dada, ou talvez não, talvez nem mereça ser assim tão doce ou mesmo breve… é que não sei se o estado de alma que sinto é doce e longo se amargo e curto, se amargo e longo ou doce e curto… sei apenas que me sinto bem e ao mesmo tempo sei que não o posso aguentar muito mais tempo... tragédia esta a minha que de tão simples a faço tão complicada... mas não seremos nós os complicadores que de tanto complicarmos as coisas, estas se tornam mesmo complicadas?... se calhar assim é... resta-me, por isso, a esperança de que seja eu que esteja a laborar num erro e não que seja o erro um erro em si mesmo... o nevoeiro que nos cobria há 48 horas dissipou-se… o sol está novamente brilhando… pode ser que seja um bom augúrio, ou talvez apenas uma mudança de vento… que seja o que tiver de ser… nada mais simples que aceitar o que nos for dado vivenciar... bendigo, portanto, o silêncio que me envolve... no entanto, espero apenas (nem que seja um grito) que algo me acorde…”
Joaquim Nogueira