Alice

“Não! Não, Mãe; não quero morrer!”

…e aquele “não” abafava tudo em redor… enxugava (porque já não havia mais) as lágrimas de quem estava presente… entorpecia a mais forte postura que se pretendesse demonstrar…. aquele “não” soou-me nos ouvidos como algo que não fosse possível ouvir ou sequer gritar… como gritar um “não” que não se pode gritar?... sentada na sua cama com a sua cor empalidecida de um branco lívido na sua cor mais próxima da morte, ela mantinha as restantes forças para gritar… de seus olhos negros não saíam lágrimas, apenas deixavam transparecer uma segunda forma de gritar...

“Não! Não, Mãe; não quero morrer!”

…junto a ela, sua mãe de nome Rosa, de alma retalhada e de coração destroçado, nada mais podia fazer do que abraçar sua filha Alice e dar-lhe um sereno sorriso… aquela mãe não chorava… aquela mãe estava serena mas por dentro explodia em milhões de pequenos gritos ao Universo, ao Deus que lhe ia levar a sua filha… os restantes familiares entreolhavam-se entre lágrimas e lenços húmidos… na ombreira da porta daquele quarto (com janela virada para oeste e por onde entravam os primeiros raios de sol daquele entardecer), o meu corpo tinha-se colado e em repouso se quedara ante tal pintura dantesca... senti a Morte ali presente e nada nem ninguém a podia afastar… nem o grito lancinante daquela moça de 26 anos de idade, minha familiar, de leucemia agonizava nos últimos momentos que eu sabia ali iria estar…

“Não! Não, Mãe; não quero morrer!”

…várias vezes, esta agonia se ouviu daquele corpo dorido de tanto sofrer… várias vezes este grito se fez ouvir saído daquele corpo consciente do momento… Alice sabia que ia morrer… Alice sabia que estava a morrer… não queria morrer... e sua derradeira amarra era sua mãe Rosa... mas esta mãe nada podia fazer... apenas manter um sorriso calmo naquela face… Alice morreu ali, passados alguns momentos após seu último grito… expirou nos braços fortes de sua mãe… então depois, sua mãe chorou… Alice, linda mulher que recordo com saudade, já não mora aqui… Alice, linda mulher: teu grito, mais de 40 anos depois, ainda ecoa dentro de mim… hoje lembrei-me de ti… descansa em paz.

Joaquim Nogueira