" Aqui no Norte costuma-se dizer que de tanto se bater numa porta, de tanto socá-la e embrutecê-la, se ela não se abrir, o bom sábio aconselha que quem bate se aquite e espraie suas forças. Pois, num certo ponto do tempo, uma leve brisa chegará aquietada, alvissareira e bela, alargando perfume de rosas, virá roçar a porta e ela se abrirá."
(Palavras dedicadas a meu irmão já falecido que não soube esperar a brisa chegar )



Querida Maria. Esta carta é para ser lida em silêncio e, depois, você guardá-la em seu espírito - grandioso e cheio de claros que mais parecem estrelas. Então deixe o maino tempo falar.
Talvez depois de anos e anos eu ainda esteja nelas e você as leia para seus netos ou solte-a ao prumo do vento. As suas e as minhas palavras certamente se encontrarão num tempo dentro do tempo, que será apenas espaço, lapso ou saudade.

Certamente não sou o caminho certo, de quem viveu no agora. Espero os dias. A alegria já não me faz sorrir e a tristesa é minha fiel companheira no vira Sol, vira Lua.

Caminho no agora e sinto pelas ruas que meus amigos centuriões e valentes, fogosos e vassalos,  já não se encontram por aqui.

Vejo pessoas estranhas, moças enfurnadas em celulares, rapazes azedados, que pairam num vazio de medo. As ruas aqui do Norte já não são mais as mesmas, as árvores sumiram e do plantio-vasto de jardins, estão agora acimentadas.

Há dezenas de carros onde, antigamente, eu e os amigos, vazávamos o vento numa corrida sem destino à procura de nada, mas de tudo.

As moças bordadas de ventarolas nos levavam para outro mundo e nos inundavam de sonhos. Era o amor que começava. Eram amores que terminavam.

Estou dizendo isso porque há um vácuo no espaço que faz meu tempo. Naquela época eu tinha medo, medo dos homens, medo da morte, mas quando a gente encontrava outro alguém, tudo isso se dissipava.

Hoje, entendo porque, quando se ama alguém, a morte não é nada. E sempre procurei isso pelo meu tempo, meu agora.

Mas, nunca poderia imaginar que em algum lugar, lindo e muito longe, nascia alguém banhada por uma Lua muito clara e esplendorosa. Naqueles 18 ou 19 anos, nunca poderia imaginar que bem longe, muito longe, vinha ao mundo alguém que seria a minha metade, minha alma gêmea, minha coragem, meu nascer do sol, minha pujança.

Eram caminhos diferentes e que anos e anos depois se encontrariam.

Quem pode julgar as artimanhas do destino, o vigor do tempo e as linhas invisíveis que rodopiam pela terra e vão lentamente se cruzando e encontrando?

A vida não tem nome, mas tem espíritos, que nos sobrevoam e de repente, se acham ou se fazem encontrar em outro tempo.
Esta carta parece não ter fim. E espero que não tenha.

Agora, já cansado de dedilhar coisas de amor e espíritos mágicos, meus dedos já doem e me curvo dolente e me canso.

Vou parar aqui e volto, já mais afeito, certo de que, quem ama jamais teme muralhas, espadas ou a morte.


Hoje fui saber que todos os frutos de minha vida morreram.
Uns pra lá, outros pra cá. 
Só o destino
sem esperaça ronda o ar, já faino e cansado.
Hoje fui saber que todos morreram, só estão vivas as palavras.
E sua missão, você sabe.
Você nasceu  para não deixar as palavras morrerem.
Esta é sua até dolorosa missão.
Dolorosa, mas gloriosa !
E que nos fará eternos vivos.
Ou saudosos mortos!


 
José Kappel
Enviado por José Kappel em 21/04/2017
Reeditado em 22/02/2019
Código do texto: T5977276
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