Vão e batizem a todos...
Carta
VÃO E BATIZEM A TODOS...
Prof. Dr. Antonio Mesquita Galvão
Quem crer e for batizado será salvo (Mc 16,16).
Um católico de Belém do Pará, estudante de teologia, leitor do
Recanto das Letras, pede subsídios sobre o Batismo.
Caro amigo,
O Batismo é, sem dúvidas, o sacramento mais importante do cristianismo. É importante, privilegiadamente porque é o primeiro e sua realização foi uma ordenança do próprio Cristo, depois, assim sendo porque propicia a entrada da pessoa na Igreja e na lista dos que vão se salvar. Por sacramento entendemos aquele sinal eficaz da graça, instituído por Jesus que produz graça. Eu trabalho com batismo desde 1981, quando morei no nordeste, em João Pessoa e me inseri naquela Pastoral. Depois a Arquidiocese aproveitou meus apontamentos e mandou imprimir uma cartilha, que se transformou em meu primeiro livro (de uma série de 120 obras em trinta anos) que levou o nome de “Eu te batizo”. Naquela época, em função do escasso número de padres, a maioria dos batizados era feito por diáconos ou pelos leigos, especialmente nas comunidades de bairro e periferias (CEBs).
Mais tarde, quando vim morar em Canoas, ajudei a montar um “curso de batismo” para pais e padrinhos na Paróquia São Luiz, modelo que eles mantêm até hoje. Em 1999 lancei pela Editora Vozes, Petrópolis, o livro “Sacramentos – Sinais do Amor de Deus” hoje em sua 3ª. Edição (140 pp.), onde agrupei, especialmente no capítulo Batismo, minha experiência de todos esses anos.
Alguns anos depois, eu estava na casa de um velho sacerdote, a quem eu ia seguidamente visitar para falar sobre teologia, liturgia e história da Igreja, quando a secretária da paróquia interrompeu nossa conversa anunciando que uma mulher viera solicitar o batismo para o filho, mas que ela a havia despedido, pois a senhora era mãe-solteira e o pai do menino era desconhecido. O velho padre disse: “A senhora fez muito bem, aqui não batizamos crianças cujos pais não estão unidos pelos Sagrados Laços do Matrimônio”. Disse isto e retomou o nosso assunto, adredemente interrompido. Eu fiquei pensando naquela questão e não me contive: “O senhor está lembrado que batizar é um mandamento?”. Enquanto ele me olhava, eu citei-lhe o evangelho: “Portanto, vão é façam com que todos os povos se tornem meus discípulos, batizando-os em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo” (Mt 28,19). E diante do silêncio daquele “cura de almas” prossegui: “Jesus mandou batizar e não impôs condições...”. O homem ficou pensativo e de imediato chamou a secretária e a mandou atrás da mãe, afirmando que iria realizar o batismo da criança. Depois desse incidente, os pedidos de batizado foram tratados com mais liberalidade. Modernamente, o papa Francisco deu luzes definitivas ao assunto:
Pensem em uma mãe solteira – diz o papa – que vai à Igreja
batizar seu filho. E quem a acolhe diz-lhe: “Não, tu não podes
porque não és casada”. Esta mãe que teve a coragem de
continuar com uma gravidez o que é que encontra? Uma porta
fechada. Isto afasta as pessoas do Senhor! Não abre as portas!
E assim quando nós seguimos este caminho e esta atitude, não
estamos sendo solidários com o Povo de Deus. Jesus instituiu
sete sacramentos e nós com estas atitudes instituímos o oitavo:
o sacramento da alfândega pastoral. Quem se aproxima da
Igreja deve encontrar portas abertas e não fiscais da fé! (IN: O
nome de Deus é Misericórdia, Ed. Planeta, 2016).
Minha relação com o velho sacerdote se estendeu até o final de sua vida. Já no leito de morte, no hospital, ele mandava me chamar: “Diga para o Galvão vir aqui para discutirmos teologia...”. Morreu na paz do Senhor.
Outro fato curioso aconteceu nos anos 90. Minha filha devia ter uns vinte e poucos anos, me ligou dizendo que a cunhada dera à luz uma menina prematura (seis meses) que corria perigo de morte. “Pai o que eu faço?”. Apanha um pouco ne água, entra lá UTI, ninguém vai te impedir, borrifa algumas gotas da testa da criança, traça o sinal da cruz e diz “Eu te batizo em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo”. Pronto! A garota está batizada... se sobreviver,mais tarde, quando houver condições, devem levá-la à Igreja para formalizar o batismo. Dito e feito. Alguns meses mais tarde e Bianca recebeu o sacramento, numa festa familiar da qual eu participei. Hoje ela tem vinte anos e cursa faculdade...
O sacramento do Batismo deve ser visto como uma obrigação e um compromisso pela família, padrinhos e pelo próprio batizado que precisa manter viva a graça que recebeu. Também a Igreja tem o compromisso de acolher o batizado e sua família. Não adianta realizar o batismo num dia e no outro relegar as pessoas ao abandono. É preciso, tal qual uma planta ou uma flor, regar todos os dias, cercar de luz e cuidados. Eu fui padrinho de um garoto da família. Ele cresceu e na época de receber a Primeira Eucaristia observei que havia um certo “corpo mole” geral. Tal desinteresse era localizado a partir de uma meio-irmã do menino, que sendo evangélico-luterana estava a tentando dissuadi-lo de receber a Eucaristia. Não tive dúvidas, dei uma “prensa” nos pais do jovem e na primeira oportunidade a Primeira Comunhão aconteceu. Padrinho, entre outras coisas, é para isto...
Eu deixei bem claro, no começo desta matéria – e enumerei meus motivos – que reputava o Batismo como o sacramento mais importante da Igreja de Cristo. Eu sinto dizer, mas na minha Igreja não se dá o trato solene que esse “sacramento de iniciação” merece. Para os demais, são feitas verdadeira celebrações, com leituras, cantos e ritos próprios. A Crisma, por causa da presença do bispo é solene. A Eucaristia é celebrada dentro da missa com um cunho litúrgico todo especial. E o batismo?
Na maioria das paróquias, especialmente nas que envolvem pessoas de classe média (alta?) é realizado em cerimônias particulares, restritas apenas aos familiares, algumas até em sábados pela manhã, sem leituras bíblicas, cantos, altar incensado ou outros atrativos litúrgicos que o batismo merece, como “porta da Igreja” e caminho da fé.. Em muitos casos – para não generalizar como maioria – a Eucaristia, por uma questão até de corporativismo assume um lugar principal. Digo corporativismo porque é um sacramento que só pode ser celebrado por Ordenados (o presbítero e o bispo). Por isso há a ênfase sobre a Eucaristia, pois alem da valorização da presença de Cristo, ressalta-se o concurso sine qua non do sacerdote. Já o batismo não. Apesar de sua importância e dignidade ele pode ser realizado pelo diácono e até por um leigo, devidamente credenciado, como vi acontecer em muitas oportunidades.
Quando estudei teologia em 1983 na Paraíba, os Sacramentos de Iniciação eram dois: Batismo e Crisma. A Eucaristia aparecia num grupo isolado, sob a menção agostiniana de “o Sacramento do Amor”. Só mais tarde, com João Paulo II e com o advento do Catecismo é que a Eucaristia foi colocada junto ao Batismo e a Crisma, como Sacramento de Iniciação.
É preciso que se resgate a devida riqueza do batismo, sem desmerecer os demais, mas que se credite a ele a importância indiscutível de primeiro evento da fé cristã. Antes, quando os pais iam realizar esse sacramento, à porta da Igreja, o celebrante perguntava: “O que vocês desejam para o filho de vocês?”. E eles respondiam: “a fé!”. A fé, portanto, sempre esteve indissociavelmente ligado ao Batismo. É Jesus quem atesta :
Quem tiver fé (crer) e for batizado, será salvo (Mc 16,16).
A pessoa recebe, por ocasião de sua concepção, a vida natural, biológica. Através do Batismo ela entra no gozo da vida espiritual, sobrenatural (A. M. Galvão. Sacramentos, sinais do amor de Deus. Vozes, 1990, 3ª. Edição).
No contexto pastoral se observa que o Batismo é o primeiro gesto redentor de Cristo e tem força de tornar aqueles que o recebem Igreja-comunidade, membros da família de Deus e limpos do pecado original. O Batismo, desta forma é o ponto inicial da nossa caminhada com Cristo, na e para a comunidade eclesial, para o encontro com Deus aqui-agora e na eternidade. Pelo Batismo o cristão aceita viver como filho de Deus, membro da Igreja, responsável por uma missão. O batizado se converte missionária e pastoralmente em um salvo para salvar.
Através do sacramento do Batismo o cristão torna-se, como Cristo, sacerdote, profeta e rei (servidor). É um equívoco pensar-se que só bispos e presbíteros são chamados a ser profetas de Cristo. O que confere a dignidade aos cristãos, antes e acima de qualquer sacramento é o Batismo. Não basta ao homem nascer do homem; é preciso também nascer de Deus.
A liturgia batismal é riquíssima em significados e símbolos. Os principais são:
a) a água;
b) a vela acesa;
c) a veste branca;
d) a unção com o óleo;
e) o ephpheta (opcional).
O Batismo, como de resto os demais, possui os seguintes sinais sacramentais: matéria, forma, ministro, efeitos e gestos. No Batismo, especificamente temos:
Matéria: a água e o óleo;
Forma: Eu te batizo em nome do Pai † e do Filho † e do Espírito
Santo †;
Ministro: o padre (ordinário), diácono ou o leigo (extraordinários);
Efeitos: a graça (a justificação), a comunhão trinitária e
comunitária;
Gestos: o sinal da cruz e a imposição das mãos.
Na Igreja católica existem quatro tipos de batismo:
a) comum ou convencional;
b) de desejo;
c) de sangue;
d) de emergência.
São Gregório de Nazianzo († 390 dC.) um dos pais da Igreja escreveu um belo sermão sobre o batismo das crianças, onde testemunha a fé da Igreja primitiva no qual vem que para o adulto é necessária a fé para receber o sacramento, mas não é assim para as crianças (que recebem em virtude da fé dos pais e da Igreja), portanto não há motivo algum para atrasar o batismo, nem mesmo no caso das crianças.
Vamos batizar para vencer. Tomemos nossa parte nessas ações, mais detergentes que hissopo, mais puras que o sangue das vítimas impostas pela lei, mais sagradas que as cinzas de uma novilha, cuja aspersão podia ser suficiente para dar às faltas comuns uma provisória purificação corporal, mas não uma completa remissão do pecado: Havia sido necessário, sem ele, renovar a purificação daqueles que a haviam recebido uma vez.
Vamos batizar hoje, para não estar obrigado a fazê-lo amanha. Não retardemos o benefício como se não ocasionasse algum problema. Não esperamos haver pecado mais para ser, mediante ele, perdoados em maior medida. Isso seria fazer uma indigna especulação comercial a propósito de Cristo. Tomar uma carga maior da qual podemos levar é correr o risco de perder em um naufrágio, navio, corpo e bebês, ou seja todo o fruto da graça do Senhor que não se sabe aproveitar[...].
Incluindo as crianças: não dê tempo para a malícia apoderar-se delas, santificai-as quando, todavia são inocentes, consagrai-as ao Espírito quando, todavia não tenham nascido os dentes. Que falta de coragem e que falta de fé a das mães que temem o caráter batismal pela debilidade de sua natureza. Antes de havê-lo trazido ao mundo, Ana dedicou Samuel a Deus, e, imediatamente depois de seu nascimento, o consagrou; desde então, o levou vestido com um hábito sacerdotal sem nenhum temor dos homens, por causa da sua confiança em Deus (in: Sermo sobre el santo Bautismo).
Sobre o batismo das crianças assim se manifestou São João Crisóstomo († 407 d.C.):
Deus seja louvado! Ele, que produz tais maravilhas. Vê quão grande é a graça do batismo? Alguns só vêem nela a remissão dos pecados, enquanto que nós podemos alinhar dons de honra. Por esta razão batizamos também as crianças de pouca idade, quando, todavia ainda não começaram a pecar, para que recebam a santidade, a justiça, a filiação, a herança, a fraternidade de Cristo, para que se convertam nos membros e moradas do Espírito Santo. (Sermão aos neófitos)
A alegria do Batismo, além de nos fazer todos irmãos, está em poder compartilhar com toda a assembléia que nosso filho professará a fé cristã. Exatamente do mesmo modo que nossos pais fizeram há muitos anos. Ela traz acalento e sossego por saber que Deus estará olhando para nosso filho com olhos de Pai protetor, amigo e acolhedor.
Portanto, vão é façam com que todos os povos se tornem
meus discípulos, batizando-os em nome do Pai, e do Filho, e
do Espírito Santo (Mt 28,19).