(Nós, os frutos que caíram longe da árvore)
Nós, os frutos que caíram longe da árvore, passamos a vida toda achando que nascemos com defeitos de fábrica, porque nunca nos encaixamos em padrão nenhum, porque jamais nos sentimos normais ou iguais a todo mundo. Porque não somos semelhantes àqueles tolos que só identificam ou reconhecem seu valor ao se compararem aos outros. Temos plena consciência da nossa importância e não precisamos desses espelhos rachados para percebê-las.
Nós, os frutos que caíram longe da árvore, somos os primorosos imperfeitos, travamos uma batalha intensa para que o nosso belo conteúdo também se expresse de maneira simples e clara em nossas atitudes, gestos e até mesmo aparência.
Nós, os frutos que caíram longe da árvore, somos vítimas de uma ardilosa inveja, aquela que é instrumento daqueles que fingem não se importar conosco, que usam de um infantil escárnio, mas que na verdade estão apenas dissimulando seu interesse pela nossa forma diferenciada de ser. Ficam desorientados conosco porque não entramos em seu jogo de rivalidades ou competições. Então tentam nos ridicularizar, mas não percebem que o palhaço e o bobo da corte são eles e quem sempre está rindo por último somos nós.
Nós, os frutos que caíram longe da árvore, somos aqueles que destoam da maioria, ou porque são magros ou gordos demais, ou porque são altos ou baixos demais, ou porque nossa pele é escura ou branca demais, o porque tem alguma deficiência, ou porque se vestem diferente, ou porque pensam diferente ou porque fizeram escolhas diferentes da multidão. Quando nos reparam, nos apontam o dedo, mas secretamente nos observam com curiosidade e interesse.
Nós, os frutos que caíram longe da árvore, porque não vivemos na sombra, somos mais doces do que aqueles que caíram perto dos ramos onde foram gerados, e nosso sabor é resultado do amadurecimento lento e constante sob jugo do sol. Mas essa árvore de quem somos filhos e dela caímos longe, nunca saberá o nosso gosto, assim como o rio não bebe suas próprias águas, ou as nuvens não chovem sobre si mesmas.
Nós, os frutos que caíram longe da árvore, temos como fonte de nossa força, entusiasmo e motivação justamente na diferença que nos separa do joio do resto do mundo. E nossa virtude está em fazer desse desafio instrumento da nossa evolução.
Nós, os frutos que caíram longe da árvore, possuímos uma casca grossa, mas uma polpa macia e nossas sementes estão sempre prontas para germinar em solo fértil, porque o universo anseia por filhos que como nós, tenham asas nos olhos e raízes no coração.