O CORAÇÃO FRATERNO
Querido amigo Dr. Antonio Carlos Goes dos Santos!
Em primeiro lugar, desejo que saibas: fiquei lisonjeado e encantado com o teu gesto de presenteares a mim o guarda-chuva que acabaras de adquirir do vendedor de rua, só pra que eu não fosse pego pela chuvinha fina deste final de tarde de verão (quase exaurido) e corresse o risco de ficar gripado. Disseste-me isto em gesto e palavra. Lembrei-me das lições do padre António Vieira: “Palavras sem obras são tiro sem bala; atroam, mas não ferem”, no Sermão da Sexagésima.
Em tempos tão difíceis como os de agora, em que a impessoalidade dos gestos e a dureza das relações humanas pouco propõem em ações de confraternidade – e, sim, são extremamente pragmáticas e interesseiras – tua iniciativa me cativou, impressionou-me muito favoravelmente.
E também me veio à mente a alegoria afetiva do “Pequeno Príncipe”, de Antoine de Saint Exupéry, cantilenas da juventude lírico-amorosa nas descobertas das coisas do coração, no Brasil, a partir das décadas de 50/70 do século passado, em que era ponto de honra saber-se de cor o que propunha a voz da sensibilidade mais densa em afetividade, e que restou plasmada nos meninos e meninas de minha geração setentona. E "Le Petit Prince" pervive graças à popularização do personagem do genial escritor francês...
Tu és um moço e falas a mesma linguagem... E não é por seres um advogado, e, sim, porque tu és um homem bem formado nos cristais invisíveis da dimensão humana. Hosanas! Nem tudo está perdido! Grato, muito obrigado! Que o Absoluto te mantenha assim, denso de amor ao irmão, ao semelhante...
Ação e gestos incomuns de lhaneza para os presentes tempos de terceiro milênio... E o penhor de gratidão me obriga a referir e glosar o gesto humano e cavalheiresco, ato-fato, coisa de gentil-homem.
Bem, isto posto, por necessário e conforme o prometido, segue o poema de que falamos hoje ao entardecer quase findo.
Nada mais é do que uma homenagem, um tributo ao “POEMA DO MENINO JESUS”, de autoria de Alberto Caieiro, um dos heterônimos do imortal poeta português Fernando Pessoa. É apenas um intertexto nascido da reflexão sobre o portentoso poema de Pessoa.
A nossa peça é mais do que singela, não tem a dimensão do poema original de Pessoa. Quero, com o aporte intertextual, somente louvar a genialidade do poeta luso.
Abraços do poetinha JM.
JESUS MENINO EM PESSOA
(Alberto Caieiro e o Guardador de Rebanhos VIII)
Joaquim Moncks
Frente ao monitor desta máquina de fantasias, estou aqui, tomado pelo espírito do Menino – que já vivia em mim e eu pouco o conhecia.
Os dentes não mordem mais porque estão extáticos, e não tenho fome. Retinas esbugalhadas me fazem doído de ver o menino.
E a terra inteira é uma melequenta rapadura deitada num tacho de uvas furtadas ao pátio da infância.
Porque o Pequeno ocupou-me olhos e memória, como há dois mil anos.
E agora a palavra desce liquefeita sobre a face, dançando nas rugas, que se incandescem do espírito dele.
E nem consegui roubar-lhe um beijo. Só ficou – de dentro para fora – um imerso silêncio.
Talvez ele tenha deixado uma caixa mágica para que um dia – quando for e tiver de ser – eu seja ele com sua máscara de misérias.
Mesmo que dentro das células da eternidade, que nada mais é do que aquilo que nunca acaba.
E de novidade mesmo, somente a Paz Absoluta, em meio a esta sepulcral voz que nada diz.
– Poema extraído do livro O CAPITAL DAS HORAS, 2013/14.
http://www.recantodasletras.com.br/poesias/5102514
– Texto destinado ao livro inédito A BABA DAS VIVÊNCIAS, 1978/2016.
http://www.recantodasletras.com.br/cartas/5563225