Carta para um Desconhecido

Outro dia, me deparei com um comentário em que seu autor, tomado de certa "razão, e a pretexto de estar combatendo o que ele julgava ser sua grande obra, atacava o que ele considerava ser o grande problema da humanidade. Confesso, não sem levar em conta, que de início, aquelas palavra me despertaram certa indignação. Mas como não me autorizo a discordar pura e simplesmente, optei por respondê-lo tomando como base sua própria argumentação. Mesmo porque, agindo assim, não incorreria no grasso erro de, ao discordar daquilo que acabara de ler, me deixar levar pela paixão. Penso que responder a alguém assentado nesse sentimento a razão turva-se e o contra-argumento descamba para opiniões pessoais, e nesse caso, penso que não seria ético, afinal, argumento se responde com argumentos.

Feito esses esclarecimentos, acrescento que nominarei meu interlocutor com o pronome de Meu caro. Vamos ao comentário que lhe encaminhei:

Meu caro, li seu texto com muita atenção. Não o desmereço pela forma em que está expresso, mas, me desculpe, você lança vitupérios a todos os "ismos" como se tal sufixo, por si só, desse conta de tudo o que vc pressupõe ser inferior. Você lança luz, a pretexto de combater, sobre um determinado tipo de ódio. Porém, lendo seu texto com atenção, é exatamente isso que você faz. Não quero e não entrarei no mérito da validade da sua opinião, todavia, não posso me furtar de apontar que você ignora o mundo tal como ele é, ou seja, dinâmico, independente, dessa ou daquela opinião. Você fala que esses "ismos" são parentes do idiotismo, mas também, e você não menciona isso, do fanatismo. Viu a coincidência, meu caro: ambas palavras tem o mesmo número de letras e sílabas, o que nos leva a concluir que são parentes, logo, todo fanático é um idiota. E fanático é aquele que não enxerga a diferença; aliás, ele abomina a diferença porque para ele tudo que antagoniza com sua visão de mundo é perigoso. O fanático prefere o conforto da inércia, isto é, não admite a possibilidade conhecer o diferente, olha que não falo em oposto, porque qualquer traço que possa desmoronar seu castelo de cartas lhe parece coisa abominável. Você fala que esses "ismos" buscam a desordem e a extinção da humanidade como irmandade. Desculpe, mas, não posso deixar de dizer que tal pressuposto serviu de desculpa para se colocar em andamento procedimentos que fogem à razão humana. Sabe por quê, meu caro? Porque a identificação do Outro como "meu" antagônico, baseado, tão somente, em projeções eugênicas, creditou a essa postura o "direito" de se eliminar o Outro como se fosse Nada. Não faz muito tempo que esse mesmo pensamento serviu de ferramenta para que se colocasse em campos de concentração, e fala-se em milhões, seres humanos somente porque eram de uma religião diferente daquele que lhes atribuiu a pecha de seres que significavam menos que porcos. Somava-se a esse ódio, ainda, a negativa, por parte daquele que lhes via como causadores de toda sua frustração, a principal motivação para que seu projeto pessoal, e insano, de deter sobre o mundo, todo poder que lhe pudesse ser alcançado. É claro que isso não deveria ser justificava para tal insanidade, mas como já sabemos, para aquele que vê o poder como a única razão que lhe dê significado de vida, lançar-se a toda e qualquer artimanha que lhe possa ser útil, não se pensou nas atrocidades que sua atitude poderia representar para toda humanidade.

A ideia de que os fins justificam os meios, por si só, representa que algo de estranho havia tomado aquele cérebro.

É triste ver que tais ideia, que deveriam serem esquecidas, posto que nosso processo evolutivo indicava, até aquele momento, que havíamos chegado ao topo. Mas não. Vimos o quanto de horrendo o Homem ainda poder cometer, o quanto de abominável a mente humana ainda é capaz de fazer.

Por fim, meu Caro, não quero que essas palavras sejam entendidas como um ataque; não é, posso lhe garantir. Mas, e pelo contrário, tem a única, e não outra, intenção de mostrar que a divergência de opiniões, pelo menos assim entendo, servem para que nossa Humanidade realmente evolua.