Para minha filha
Filha,
É sobre nossa conversa de segunda-feira passada. Preciso retratar-me de algumas coisas, e reiterar outras.
Fui além do meu, ao invadir o seu direito. Ainda que você, ao exercer esse mesmo direito, em alguns casos possa ferir outras pessoas. Aí, cabe somente a si mesma conceituar a validade desse exercício.
Reconheço minhas duas ausências durante sua faculdade, e me arrependo profundamente de uma delas, que é não ter sabido dar o apoio emocional quando você precisou. Quanto à outra, o que posso dizer é que só podemos nos arrepender daquilo que poderíamos ter feito e não fizemos, e nunca daquilo que não fizemos porque não pudemos. Nunca, em nenhuma circunstância, favoreci qualquer pessoa em detrimento seu ou de seu irmão. Você tem acompanhado, mais ou menos de perto, como tem sido minha vida nos últimos anos. Portanto, eu me atrevo a pedir sua percepção, não seu julgamento, já que julgamentos não passam de pretensão e soberba.
Nada no mundo vai diminuir minha felicidade de ver você pronta para buscar sua independência, mesmo sabendo que considera – julga? - minha participação nula. Repito que ninguém entra na faculdade por milagre ou sorteio, mas pelo próprio esforço, alavanca cujo ponto de apoio só é encontrado nos muitos anos de vida e estudo que precedem o vestibular. Sua formatura é a culminância dessa soma, não se esqueça disso, nem de que fui uma parcela – maior do que dois monossílabos - dessa soma, mesmo com algumas pessoas fazendo tudo para que não se lembre. Sou seu pai, isso é indelével, embora não seja indolor para você, que sabe, inclusive por sua formação, que o ideal nunca é o real.
Sou dado a arroubos, soldado a sentimentos, e talvez calar trouxesse menor sofrimento. A você, pelo menos. Quanto às minhas mágoas, entram todas, e algumas saem, pelos buracos que o Tempo cavou em mim. Mas não abro mão de alguns acertos, quase todos invisíveis. Cavernas, espelhos, virtudes, gozos, masoquismos, epicurismos, abstinências, exageros, existências, niilismos, tantos ismos - todos que temos algum verniz já tentamos essas e outras muitas filosofáceis, o que só nos remete a outras filosofalsas. Estou ficando velho, e dou um pé na bunda dessas tentativas. Assumo inteiramente a minha falência intelectual e a ignorância atávica dos homens, que tentam responsabilizar algo ou alguém pela incapacidade humana de entender certos princípios, ou o Princípio. Tenho tentado gastar o restinho do meu Tempo simplesmente vivendo – uma rede, uma brisa e muita birita - e às vezes me aproximo disso, às vezes me afasto. As agulhas estão aí, inevitáveis, e quando são muito agudas, não há couraça que as possa repelir.
Somos ninguém, tentando dar lições ou recados a alguém.
Sou totalmente doido por você, filha, e vou sobreviver na sua sobrevivência.
Um beijo do seu pai.