incompleto
"...enfrento o espelho e me abro… olho-me e me sinto inteiro... por dentro e por fora… noto defeitos e falhas… claro, não sou perfeito… mas vejo-me diferente para além disso... mas não sei porquê... procuro a razão de tal sentir... conto-me pedaço a pedaço: Tenho cabeça, pescoço e um braço… do outro lado um braço mais, um peito, um tronco, uma bacia, um pénis, dois membros inferiores e um pé de cada lado... tenho cabelos, barba, pêlos, púbis, impressões digitais, testículos e tudo o mais... tenho unhas roídas eu sei e tenho olhos, boca, dentes, orelhas e nariz... sinto um coração a bater um estômago a roer… um intestino a doer e uma bexiga a gemer… pulmões a encherem-se de ar e tudo o mais que não consigo ver... tenho dedos... não vejo nada de grave… mas algo me diz que há um entrave... sinto uma falha... não estou completo... olho à volta e em nada reparo que me possa dizer o que me faz sentir ser um ser incompleto… está tudo funcional... então está tudo bem!... nada está mal... mas o que é que falta que me provoca esta sensação de vazio, de nada, de tudo?… repentinamente sinto frio... o espelho fica baço... olho e é tão simples: apenas me falta um abraço!..."
Joaquim Nogueira