Última Vez - Uma Carta Antes de Morrer

O verdadeiro segredo é amar quem te ama. E é isso que estou fazendo com uma certa margem de erro: Hoje é minha última vez que estou te amando. Isso mesmo, última vez. E sempre soube que você nunca me amou. Até meu último segundo irei dizer em segredo que te amo incalculavelmente. Ele está próximo.

Última vez que eu vi os raios solares ofuscantes que feriam-me os olhos, e que sinto o vento tocar em mim.

Última vez que admiro incansavelmente a beleza e o brilho cintilante da lua, as minhas fotos quando mais nova, e as fotos de minha mãe, meus avós. Minha família.

Ah, lua... Consegue transmitir-me calma com facilidade. Desde que nasci minha mãe dizia que sempre admirei à ti.

Minha querida mãe, uma mulher guerreira com luz própria, capaz de tudo para entregar-me uma vida boa sem sofrimentos, capaz de tomar todas minhas mágoas e entregar-me felicidade apenas com o sorriso e o brilho de seus olhos mel-esverdeados intensos, os mais lindos que já vi.

E também sei e lembro-me bem que vivi boa parte da minha vida necessitando de medicamentos caríssimos. É o preço de ter nascido prematura. Mesmo assim, sempre fez esforços para comprar tudo o que eu queria e o que acreditava que era meu desejo no momento, mesmo sem condições para me agradar. E sempre aparentei ser mal agradecida por tudo que tive. Ao contrário, nunca fui.

Querida vó, parte de mim, minha segunda mãe, lembro de ti diariamente ao meu lado, me ensinando inúmeras coisas e sempre mantendo a paciência comigo. Você me protegeu com todas suas forças ao máximo junto com meu avô e minha mãe, como se eu fosse um anjo que jamais pudera ser tocado pelas impurezas do mundo e das pessoas. Largaram mão de muitas oportunidades em prol de fazer uma coleção de boas lembranças e de um futuro melhor para mim.

Será que você lembra, mesmo depois de anos, quantas revistinhas para colorir compraram para mim? E quando eu ''roubava'' frutas de sua fruteira na cozinha? Comia até mesmo os seus pedaços de maçã que ficavam na pia. Bons momentos.

Querido avô, lembra quantas vezes te chamei de pai? E quando eu brigava com minha mãe, pensando que você era meu pai, e não o dela? Ah, e quando eu esperava você sair do banho para comer seu jantar? Quantas vezes eu comi o melhor do prato, e deixava apenas o arroz para você? Mesmo comendo tudo, lembro-me de nunca ter me proibido de fazer aquilo. E quando começou a me ensinar a falar japonês?

Sempre via-te cansado, acordando muito cedo todos os dias, preparando-se para mais uma batalha. Sempre me protegeu e fez papel de um pai de verdade, que eu não tive. Mesmo não tendo obrigação de aguentar meus surtos e desobediências em uma certa faixa etária, como minha avó.

Hoje, também, é a última vez que estou sorrindo, chorando, pensando nos acontecimentos do passado e como seria o futuro. Última vez que passo maquiagem no rosto e tento arrumar meu cabelo. Última vez que me olho no espelho com meu maior e melhor salto, minha melhor roupa e tudo que tenho por aqui. Ah, meu querido perfume. Não esqueço de ti. Também é a última vez que toco delicadamente em ti e aperto prazerosamente diversas vezes o aplicador direcionando à mim.

Incrível como mudamos exatamente no momento que não temos a pessoa para abraçar, pedir perdão e chorar até o resto das mágoas passarem, e por fim, sentir o coração aliviado.

Perdi-me em um breu após a perda de cada um de vocês. Hoje é dia 16 de dezembro de 2085. Não tenho mais ninguém para abraçar. Sou uma solitária. Nada mais me resta. Não durmo faz dias. Doces lembranças me perturbam, tornou-se um filme de terror para mim. Estraguei muitos momentos por insanidade. É verdade. Estou entregando-me nesse exato momento. 11:56 PM. Nada mais tem volta. O passado não é alterável. Não aguento mais só errar em cada pequena tentativa, até hoje. Certamente agora eu teria uma força inesgotável se eu tivesse vocês junto comigo nesse momento. Os amigos que eu tinha? Sumiram, já haviam construído seus caminhos anos atrás. E eu? Sempre pensando nas mesmas coisas. Ah, última vez, última vez, última vez.

Não há quem me abrace e chore comigo antes da minha partida.

Somente a lua e as estrelas que fazem questão de me acompanharem mais uma vez. Uma última vez.

www.tamirissindice.blogspot.com

Tamiris Sindice
Enviado por Tamiris Sindice em 28/01/2013
Reeditado em 14/03/2013
Código do texto: T4109232
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2013. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.