Experiências da proximidade da morte = Carta 032
Carta 032
Assunto: Experiências da proximidade da morte (Questões sobre vida, morte e ressurreição).
Uma leitora de Campo Grande (MS) diz que leu meu livro “O
grão de Trigo” (Escatologia) e solicita mais detalhes sobre
a “proximidade da morte”.
No momento em que os jornais norte-americanos fazem um sensacionalismo a respeito da notícia de um menino que esteve em coma, e na recuperação contou que esteve no paraíso, viu Jesus e outras pessoas falecidas da família, é salutar que a gente agregue à fé alguns aspectos da moderna parapsicologia para entender fatos como este, raros, porém reais. Na profissão de fé de Jó, no fim de sua miséria, encontramos uma referência à visão de Deus, na outra vida:
Eu sei que o meu redentor está vivo e que no fim me levantará
acima do pó. Mesmo com a pele aos pedaços e em carne viva,
eu verei a Deus (Jó 19, 25s).
Para quem gosta de provas, as NDE ´Near death experiences (experiências da proximidade da morte), dão aquilo que a fé concede aos que crêem. As NDE começaram a ser relatadas por volta de 1979, quando, pela primeira vez, depois da chamada morte clínica, uma jovem foi reanimada. As pessoas que voltaram, apesar de em contextos culturais diversos, relatam, mais ou menos as mesmas experiências, o que nos leva a concluir que há uma memória que englobe fatos ocorridos um pouco antes da chamada “morte real”. Essas NDE ocorrem – como veremos a seguir – em cinco estágios, com narrativas de pessoas que foram consideradas mortas e, alguns minutos depois, reanimadas, tornaram a viver. Não se trata de uma “ressurreição”, mas de uma simples reanimação ou revitalização. Vamos ver os 5 estágios das “Near Death Experiences”:
Primeiro estágio
Experiência de estar fora do próprio corpo. Espaço
desconhecido; 40-50% dos entrevistados chegam a este estágio.
Segundo estágio
Experiência de atravessar uma luz forte e intensa; apesar dIsto,
agradável. 37% dos entrevistados.
Terceiro estágio
Experiência de penetrar numa zona de escuridão (túnel); 23%
dos entrevistados.
Quarto estágio
Experiência de flutuar em uma luz que se revela em um amor
total; 16% dos entrevistados.
Quinto estágio
Sensação de acolhida; experiência de flutuar em uma
personalidade acolhedora; há um desejo de não voltar mais. 10%
dos entrevistados revela ter chegado a este estado.
Há relatos semelhantes em papiros egípcios, documentos da Idade Média e no “Livro Tibetano dos Mortos”. As NDE foram negadas por alguns segmentos da ciência, que tentaram explicar essas experiências como pura fisiologia, ou últimas descargas elétricas do corpo que morre. O fato, entretanto, é que esse mistério ainda permanece oculto à compreensão de muitos.
Quando ministrei um curso de Escatologia, em 1997 em Canoas (RS), de-pois que falei a respeito das Near Death Experiencies, um dos participantes pediu para dar um testemunho, pois um fato análogo havia sucedido com ele. Na sala de cirurgia, ele “viu” o médico dar a notícia de sua morte à esposa e amigos. E sentiu o sofrimento dos familiares. Contou o referido cidadão que quando foram prepará-lo para o transporte ao necrotério, constataram que ele ainda estava vivo, e providenciaram a reanimação. Pela descrição, ele esteve no segundo estágio.
Na verdade, não há provas, mas indícios que vão ao encontro dos postulados da fé, que diz que a morte é um encontro com Deus. Aceita-se a evidência físico-magnética por um ato de fé. No entanto, as NDE não ocorrem por conta de um fato religioso ou místico. Há ateus ou pessoas agnósticas que já viveram aquelas sensações de estar fora do corpo, depois de declaradas clinicamente mortas e após, por conta de alguma providência, em geral de reanimação médica, haverem voltado à vida. Os descrentes voltam à vida e relatam circunstâncias inexplicáveis. Quem tem fé fala em situações agradáveis (proximidade com Deus?). Quando ministrada a pilotos da NASA, a droga Ketalina proporcionou os mesmos efeitos, embora não se tratasse de uma situação de limite com a morte. Às perguntas de todos os tempos, a respeito da ressurreição dos mortos, São Paulo responde de maneira simples: como um grão de trigo (cf. 1Cor 15, 35-53).
(*) - Morte clínica: No passado, era determinada pelo fim dos batimentos cardíacos; hoje, rege-se pelo término da função cerebral. Já há quem fale em atividade localizada no córtex.
Num curso de escatologia, em 1998, uma religiosa, chefe de uma UTI colocou restrições a certas declarações de “morte cerebral”. Segundo ela, foi aconselhado à família de uma moça, vítima de acidente, que desligassem os aparelhos, pois ela já estava em “morte cerebral”. Com lágrimas nos olhos, a religiosa testemunha que, pelos protestos do pessoal da UTI, os aparelhos não foram desligados. A jovem, complementa irmã de caridade, hoje vive normalmente.
(**) - Estudos realizados em fins da década de 90 revelam que, em alguns casos, há vida e reprodução celular até 21 dias depois da morte clínica.
Ainda bem que nossa crença religiosa nos mostra que a morte não é o fim, mas uma transformação, semelhante a um grão de trigo que caindo na terra dá a impressão de estar morto, mas dali há um certo tempo, brota, numa incontrolável explosão de vida. As experiências da proximidade da morte ajudam nesse sentido. O grão, a semente, aparentemente mortos, em contato com os elementos vivificantes da terra volta a viver. Assim sucede em relação à nossa morte. Nossa vida não acaba, mas é transformada. A alma imortal, criada por Deus, não repousa enquanto não retorna àquele que a criou, para uma comunhão perfeita.
As NDE não são experiências místicas, nem algo ligado a algum tipo de espiritualismo de evasão, reencarnação ou algo que o valha. Trata-se de uma realidade física, eletromagnética que, como uma última energia acumulada na bios de um computador, é capaz, de em um momento para outro, ativar sistemas que se julgava extintos. No entanto, essa volta à vida, na ocorrência da morte biológica, geralmente forçada por estímulos da medicina, ocorre como uma graça que Deus concede. A morte biológica pode ser vista através de três fases:
NECROBIOSE
Trata-se da morte e substituição de células individuais no
decorrer da vida humana (exceto as células nervosas); nekrós,
no grego é morte física;
NECROSE
Morte de tecidos ou órgãos inteiros. No infarto parcial, por
exemplo, uma parte do coração, necrosada pelo acidente, morre,
mas o organismo, dependendo da extensão da lesão, reage e
continua vivo;
MORTE SOMÁTICA
É o fim de todos os processos vitais em um organismo. Na morte
somática ocorre a morte aparente, clínica, psíquica, total.
A morte não é uma queda na escuridão, mas um salto na luz. Quando se tem a vida, ela só pode ser para sempre... A morte não pode matar o que não morre. Ora, nossa alma é imortal. Há somente uma coisa que pode justificar a morte: a imortalidade. A tanatologia, ciência atual que estuda as realidades da morte, tem pesquisado, mais que a morte, mas a forma de ajudar as pessoas a conviver com ela. Expoente nesse campo é a Dra. Elizabeth Kuebler-Ross, que estabeleceu as “cinco fases diante da morte” (in: “Sobre a morte e o morrer”. Ed. M. Fontes, 1984), fases estas que são vividas não só pelo doente-moribundo, mas também pela família.
PRIMEIRA FASE
choque, incredibilidade - “não pode ser! Trocaram os exames!”
A pessoa não aceita; se isola;
SEGUNDA FASE
é a fase da ira, do rancor, da revolta e da inveja (é a fase
mais difícil e que carece de um maior acompanhamento,
médico, psicoteraupêutico e familiar). Surgem perguntas
como, “por que eu? por que já? que Deus é esse? Se ele
existisse não faria isso comigo!
TERCEIRA FASE
é a etapa da “negociação”; a pessoa busca prolongar sua
vida através de barganhas, com Deus, em diversas religiões e
seitas; surgem as rezas, as esmolas, o sacramentalismo;
QUARTA FASE
acontece a depressão: surge o sentimento do irreparável; é o
outro lado do medo; a pessoa com complexos de culpa tem
mais dificuldade em sair da depressão. Mais sacramentos,
maior presença de Deus, menos complexos de culpa perto da
morte; a pessoa com esses complexos, morre amargurada, o
que impede a fase seguinte;
QUINTA FASE
nesta fase há aceitação (quase que uma “aprovação) da
situação; a pessoa torna-se solidária, capaz de ajudar outras
pessoas nas mesmas condições;
A família também vive as mesmas fases e carece, igualmente, de um acompanhamento pastoral. Nos escritos inspirados de São Paulo encontramos alguns exemplos de como a força de Deus era capaz de dar-lhe o conforto nos sofrimentos:
Quando sou fraco, então é que sou forte (2Cor 12, 10)
Agora eu me alegro de sofrer por vocês, pois vou
completando em minha carne o que falta nas tribulações de
Cristo, a favor de seu corpo, que é a Igreja (Cl 1, 24).
A dor, indiscutivelmente é um mistério, agregado à fragilidade de nossa carne. Ele pode ter três características: a) purifica (se aceita com espírito cristão de fé e esperança); b) leva o homem a refletir sobre sua fraqueza e finitude; c) pode levar ao desespero e à perdição, se recebida com revolta ou como castigo;
Nossas tradições latinas curtem muito o culto aos mortos, como se aqueles despojos que ficaram depositados no cemitério tivessem sentimentos e gostos. Claro, nós os vivos temos sentimentos, e por isso, como uma homenagem, num preito de saudade reverenciamos os restos mortais daqueles que se foram, mas sempre com a certeza e consciência que sua essência, o espírito com o corpo glorificado, está no seio do Pai. Para quem não tem fé na ressurreição, onde se unem corpo, espírito e Deus, a morte terá sempre para nós, poucas perspectivas, e nossos porquês receberão sempre respostas insatisfatórias. Mas se cremos que o ressuscitado enxugará todas as lágrimas de nossos olhos (cf. Ap 21, 4), poderemos estabelecer para a vida presente uma alegre consciência de passagem.
Um abraço a você!
O autor é Mestre em Escatologia (Teologia Dogmática), Filósofo e Escritor. Autor de mais de 100 obras, entre ela “O grão de trigo. Reflexões cristãs sobre a vida depois da morte” (sua tese de Mestrado) Ed. Ave-Maria, 2000. Conferencista internacional, pregador de retiros de espiritualidade. E-mail: kerygma.amg@terra.com.br