Uma
Vendo essa terra seca pela janela, vendo movimento e balanço, os teus dedos compridos... Desperto com minha mente e meu corpo, procuro abrir os olhos, todos os dias, voltados para uma noite, mais uma noite. Sinto todo o aconchego da indiferença, teu cheiro, teu rosto, tuas roupas em mim, teu olho tremido. Olho ao redor e vejo a posição de casa objeto, pensando, derramado, roubado e gasto. Minha vida, também gasta, também seca, também desesperada de vida. O tédio de ter todo dia um dia, um dia a mais de lembranças e risos. Procuro me esconder, mas de quê? Desse sangue solitário que pulsa em mim, da vontade de ir te encontrar, de mais uma hora, só mais uma hora ao teu lado. Te vejo próximo, te vejo correr por ruas e ruas, sozinho, lamentando o que fomos, vivendo. Meu corpo duro, meu corpo a espera, sem esquecer, sem esperar nada de nada. Sinto, e somente por isso te busco. Tua desconfiança, teu medo que me alimenta, tua sombra e tua fome de construir, mas construir o quê? Você não sabe, não tem respostas, não tem tempo. Tem casa, mas não tem lar, tem apenas uma alegria controlada por estar vivo, e por estar agradecido. Eu cesso, eu vejo, pela minha janela, por meus olhos, por minha língua ávida de tua saliva. Eu busco outros caminhos, busco a distância, mas que distância é suficiente para não lembrar? Qual música me fará rir, de novo, aquele riso meio caído, meio bobo de estar próximo, tão próximo que não se enxerga. Tão próximo que dói o corpo, dói o movimento, dói o andar, o acordar, o amanhecer, o sono. Dói o amor, envenena, se regenera para nada, para não ser vivido, não ser sentido. Escrevo sobre o que vejo como uma diminuição dos dias, desse cheiro de comida, de café, de migalhas e moedas contadas, de felicidade plena por não ter, pois eu não tenho vergonha de te amar hoje, de contar dinheiro, de deitar e observar teu corpo e tua letra, a parede do teu quarto, teus dedos sujos, teu sexo mal feito. Não tenho pressa de ir embora, de levantar minha âncora e deixar ir, o gozo, o cheiro, a alegria escondida e o amanhecer que se aproxima. Os últimos minutos que me sugas e levas não somente meu beijo e minha língua, mas também minha essência cheia de ti, minha felicidade por uma noite tão noite. E nossa.