Nunca soube dar título às memórias.

Nas tardes de sábado com chuva é que vejo o quanto a estadia nesse mundo pode ser esgotante e sem sentido. Quisera olhar para dentro e sentir que é apenas mais um dia e nada mais, o que não deixa de ser verdade. Mas a vontade absurda de que um tempo retorne não se afasta e, mesmo sabendo que passado não volta, que passado já era, que passado está morto, ele vive aqui dentro. E é latente ao extremo para que não o perceba. Meu saudosismo não é mera lembrança que carrego, torna-se muito além disso. É um combustível que me alimenta e inspira na esperança que o dia passe e eu passe pelo dia.

Quando olho aquela foto dentre tantas outras, já gasta pelo tempo, sinto vivo ainda aquele instante do flash da minha máquina com filme de rolo. Você olhou para a câmera e estava rindo de algo engraçado enquanto eu ria junto mas olhava para o chão. É assim que faço quando vejo a fotografia: olho para o chão. Se preciso abrir o armário para procurar por algum documento ou livro e vejo nossa caixa de recordações, sei que lá dentro existe um chumaço de cartas enroladas em fita, sequenciadas pela data em que recebi. São cartas de quando estávamos juntos, cartas da cidade em que foi morar, cartas de países que foi explorar. Cartas. Sua letra. Formosa e garbosa. Missivas terminadas com poesia e cores de giz de cera que você detalhava no final de cada uma delas.Lembra aquele quadro em que pintou uma rosa solitária e escreveu ao lado uma dedicatória? Esse não o tenho mais, foi queimado em um momento de loucura de você sabe quem, junto ao meu urso de pelúcia da minha infância. Mas podem atear fogo em tudo, podem destruir todas as lembranças que tenho, nada vai mudar. Trago tudo muito vivo na memória e em meu coração.

Lembro de cada traço de cada desenho seu. Lembro até do primeiro desenho dedicado naquele encontro em que fomos com dias de namoro, com a frase sobre as cordas do violino que nunca se encontram. Ah, lembranças… por que haveria eu de abrir mão delas? Não vivo no passado, mas esse passado me auxilia a dar passos no presente. O futuro? Completamente desconhecido para mim, nem foco muito nele, mas sei que continuarei lhe trazendo comigo. E em cada tarde de sábado chuvoso vou lembrar de nossos sábados, ensolarados ou não. Mas eram somente nossos.