Carta 1 - Roberto (15.09.2011)

Meu querido Roberto,

Escrevo essa despedida porque, bem sabes, teria que fazer isso cedo ou tarde. Estou sentado em um banco, dentro de um belíssimo arbusto de flores rosas. Sim, a primavera tem surgido tímida entre os dias de inverno, e me sinto mais feliz agora. Talvez devessemos nos encontrar, mas creio que ainda seja muito cedo. E talvez devesse dizer-te, não se ofenda, mas, na verdade, não quero vê-lo. Sua presença me incomoda, me causa sensações estranhas, vontades que eu tento (e tenho que) fugir, pensamentos confusos... e tudo isso dura tanto tempo, mesmo depois que te vais. Semanas, meses, anos. Ainda tenho essa sensação estranha de quando nos vimos pela primeira vez no parque. Não consigo me desfazer dela e temo que um reencontro só vá piorar as coisas.

E agora tu estás noivo - não, não quero dizer que não estou feliz por ti, sinceramente estou, meu amigo. Porém... ah... acho que tu me entendes nessas minhas reticências... engano-me? E sei bem que tu também tens tuas próprias reticências. Percebo pela foto que me mandaste: não digo que ela não seja bela, pois é, e parece ainda mais bonita agarrada no teu braço... mas tu, Roberto... ah... sabes bem do que eu falo, por isso, te peço: não sufoque tuas reticências... ao menos dê um tempo a elas.

Pense melhor nisso - sabes que faço um esforço enorme para tocar nesse assunto. Então leia, do fundo do meu coração, como uma gentileza de amigo. Apesar de que te conheço bem demais para saber que te zangarás comigo e que isso abalará nossa amizade. Dessa forma particular que sempre abalou... e eu pedirei desculpas na próxima carta, como sempre faço. Tudo por quê, no fundo, gosto quando nossa amizade é abalada, e porque sei que tu gostas também. Quando penso nisso, tenho receio, fico vendo quão absurdo é tudo isso. Eu não deveria... ou não tenho direito de chegar tão longe.

E como tenho tido medo nos últimos tempos. Tento não pensar no passado, pois ele tem me aterrorizado: preciso desesperadamente fugir da máscara que fui. Mas o futuro, Roberto, tem comido meus olhos, e tenho tanto medo. Já não consigo fazer nada sobre isso, perco o sono, engulo palavras quando vejo alguns de meus amigos mais próximos. Ando carente de coragem e, portanto, peço-te que me mande na próxima carta uma caixinha de madeira com um pouco da tua coragem nela. Não precisa ser muita, já será o suficiente e, a ti, não fará falta, sei bem.

Mas - tratemos do que é necessário tratar. Ah, Roberto, essa triste e difícil despedida. Está decidido, não há mais volta. Vês, esses juízos de valor a que atribuí meu adeus, não os digo por mim, mas por ti. E pelos outros também. A mim, depois disso resolvido, restará um alívio e algum passo para uma liberdade que precisa ser conquistada. Já não posso mais a adiar - acordo nas noites, tenho pesadelos horríveis, a maioria deles acordado. Não consigo separar as coisas, nem quero. Não te preocupes, tampouco, como sei que fez ao ler minhas primeiras linhas. Nossa amizade não mudará absolutamente - (permita-me acrescentar) com ou sem noiva. Não mude teus sentimentos por mim, meu caro, pelo menos não desse jeito. Acalma-te, haverei de dizer sobre o que se trata minha despedida logo (conheço-te bem, sei que já estás inquieto).

Já não quero mais ser infeliz, e essa foi a decisão mais difícil que tomei até hoje. Espero, sinceramente, que um dia tu decidas por isso também, Roberto, e espero que seja logo. Tu és um homem belo e jovem - não te estragues. Quando voltares a esse vale, venhas sentar nesse banco e pense em mim. Tu verás o quanto estou feliz com minha decisão.

Há uma discussão belíssima sobre a teoria de Parmênides na Insustentável Leveza do Ser, lembra-te? Eu, particularmente, escolhi tomar o partido do pesado. E já posso dizer, com certeza, que a felicidade é pesada. Arrisco dizer que, com o tempo, torna-se até mesmo uma obrigação... Deus sabe como odiamos obrigações. Mas, Roberto, uma obrigação tão necessária!

Sinto-me bem, tenho levado esse fardo como posso, e, sabes bem, pelo que te contei nos últimos meses, o quão pesado ele é. Então, enfim chego a minha despedida: Roberto, despeço-me. Despeço-me de mim. Finalmente acho isso possível... na verdade, sempre foi possivel, as coisas são sempre possíveis. Porém, só percebemos a possibilidade das coisas num intervalo muito pequeno de tempo, sabe-se-lá quando. Despeço-me de mim, desse nome, dessa história não vivida, dessa falsidade toda. Não a quero mais, nunca a quis - ainda sim, por muito tempo não fui contra. Ah, Roberto, depois dessa tal vergonha, eis me aqui - despido de tudo, completamente eu. Como estou feliz, meu amigo, como estou infinito. Não tenho medo nem receios. Tenho certezas.

Deves, agora, estar apto a entender porque escrevo esta carta a ti, antes de qualquer outro. Roberto, não importam as pessoas, não importam as vozes, as bocas, os olhos, os ninguéns. Que falem, Roberto, eles vão falar, sempre falam. Serei feliz, e preciso de mim para isso. Nada posso sem mim - não posso ver-te, não podemos nos tocar, não podemos dormir juntos, se eu não me tiver, Roberto. Já não quero voltar aquele passado, fingir me fatiga... e para quê? Tu perceberás que não há porque, e espero que perceba antes de te casares.

Se comparecerei ao teu casamento, tu me perguntaste na última carta. Estarei lá, de terno e gravata novos... mas sabes que gostaria de não estar. No fundo mesmo, sabes que gostaria de que tu não estivesses lá também.

Sinceramente teu,

D.S.

David Ceccon
Enviado por David Ceccon em 01/05/2012
Reeditado em 02/06/2014
Código do texto: T3644085
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