reconhecer

"...foi numa daquelas ocasiões em que, inserido no grupo que servia as tais refeições aos sem-abrigo, a conheci... conheci-a em dramáticas circunstâncias... estávamos a preparar uma das nossas rondas colocando as coisas dentro da carrinha quando um chiar de travões nos alertou para o inevitável... o estrondo ecoou por entre as árvores daquela rua e um guichar forte se seguiu... era uma cadela rafeira mas de grande porte, pêlo liso amarelo beje e o seu corpo veio ter com o grupo... depressa se arranjou um cobertor para a embrulhar e rapidamente retirámos as coisas de dentro da carrinha e a depusemos lá... levámo-la estilo ambulância em direcção a uma clínica veterinária ali perto da zona onde estavamos... fui eu mais um casal amigo que deu o nome da nossa instituição como responsável pelo animal... e assim a deixámos lá ficar... os dias passaram e senti necessidade de fazer uma visita à cadela internada... lembro-me que as Médicas Veterinárias me perguntaram o que eu pretendia e eu apenas disse que queria visitar uma doente mas nem sabia quem era nem onde estava... disseram-me para entrar e procurar... no meio imenso de diversas gaiolas cheias de doentes, uma cabeça grande de olhos brilhantes se levantou e me fixou... era ela... aproximei-me e falei com ela... a sua cauda abanou e quando lhe estendi a mão ela me lambeu, lambeu como se precisasse do sabor a sal da minha mão para sobreviver; mas não era esse o caso: estava apenas a agradecer; eu soube-o ali que ela estava apenas a agradecer a única visita que tivera... hoje, não sei a propósito de quê, lembrei-me dela... para terminar informo que passados mais uns dias ela teve alta e a instituição adoptou-a... mas, naquele momento senti que os animais sabem agradecer sem dizerem uma única palavra..."

Joaquim Nogueira