Cartas ao Amor - nº 03

Ele nº 03

A página, branca, desmaiada e imóvel, era o convite mais lúdico que repousava ao teu lado esta manhã; não me tomes por desatento, querida... noto também os lençóis em desalinho, o perfume dos sonhos florescidos durante a noite larga, a pele – em apelo – e os cabelos macios esvoaçados, quando em vez, no embalo dos teus suspiros. Contudo, é a alvura do papel cândido, suplicante de tinta fresca que me toma cálido e ávido a deixar-te eternizado em palavras o desejo manso de um “bom dia”. Quando as frestas da janela, entreabertas por mim na doce missão de zelar-te o sono, escorrerem a luz do novo dia e, em um tenro afago, tatearem teus olhos, umedecidos, convidando-os a despertar, quando o corpo, adormecido, for retomado de inteiro pela alma que vagava comigo, atenta tu para esta pobre e vazia folha, empunha a pena que escapou do travesseiro, molha-a na lágrima e rabisca aqui cada palavra que te dito.


Ela nº 03

Acordo de sonho bendito e nessas horas queria não mais despertar. Réstia de luz certeira vem da fresta da janela e me faz acordar. Queria estar contigo nessas moradas, no infinito. Sinto-me atordoada e sem vontade de voltar. Volto a atenção a branca folha repousada ao lado. Um mundo vasto poderia estar ali, se nela, nessa hora, ventura dos céus me permitisse encontrar um teu recado. Mal amanhece e o peito geme tua falta, como se outra vez tivesse te perdido. A vontade de te ver faz com que busque meios de persistir... de ir seguindo. Devo passar o dia, ver o entardecer que ao teu lado era tão lindo, e ao deitar-me, repousarei na esperança de ter teu abraço, teu braço a me levar contigo.
Perdoa. Maculei de letras, tinta e lágrimas a alva folha mas prometo: uma nova ficará todas as noites na esperança de um milagre. O de rever-te em algumas letras, em tua caligrafia, ainda que encontrando somente quatro palavras:
Saudades, amo-te, bom dia!