noticiar
"... passeio pelas ruas da minha cidade... um cheiro intenso a vida, um odor repleto de vivências, aquilo a que chamo de experiências, de seres contidos em si mesmos e de seres virados para o para lá de si... pessoas que passam e pessoas que estão... vivem e não sabem que vivem porque apenas são... mas olho e vejo ao meu redor essa vida que não se vê e que não sai nos noticiários dos jornais televisivos nem nas parangonas dos tablóides... cheiro o perfume da urina nas esquinas e o sabor do odor do peixe frito nas varandas... o exalado pólen que vem das faias e das margaridas... o zunir das abelhas... vejo aquela mãe naquela varanda de peito de fora a amamentar o seu filho... vejo aquele miúdo traquina descendo a rampa no seu triciclo... os trilhos do eléctrico apanham um tacão desprevenido... e o senhor João da Camisaria Moderna, à porta, a todos que passam, dirige o seu cumprimentar sorridente... e ali vai a varina de cabaz à cabeça apregoando o carapau e a sardinha... no café do senhor José, o Soares está sentado a tomar a sua meia de leite com uma meia torrada e ao lado a senhora Miquelina assoa o nariz ao avental enquanto espera pela filha que foi ao hospital com o neto que havia rachado a cabeça a jogar a bola ali para os lados dos Guindáis... a vida percorre-me as veias como eu percorro a vida pela minha cidade... o Austin do senhor Carvalho acabou de passar e o fumo do escape aquece o chão que piso... a minha cidade tem vida e ninguém dá notícias dela... a vida não é notícia; esta apropria-se da morte que lhe dá valor e a desgraça vende; a guerra faz subir as audiências e o terror instala-se e provoca frenesim e a adrenalina sobe na pesquisa de mais um caso escabroso para contar... a minha cidade não tem notícias para dar... a minha cidade está viva e não vem nos jornais nem aparece nas televisões... e a minha cidade não tem nome nem vem no mapa dos homens; está apenas no meu coração..."
Joaquim Nogueira