Tempo do acaso, dias nublados em somas de solidão.
Dois pontos: uma reta, uma seta, reticências...
É só tracejar o espaço existente ponto final.
É preciso ler. A leitura redime e a remissão é causa primária para a felicidade. Leitura e felicidades são expressões fisionômicas de uma mesma realidade. Ler o tangível, o oportuno, a condição de saber os segredos existentes entre os espaços; a comunicação animalesca de grunhidos irracionais; fazer a leitura dos sentimentos dos amantes nos olhares e nas palavras escritas, gestos, símbolos e expressões diversas. Ler o diverso e o universo acerca de...
É como fechar os olhos e enxergar a escuridão numa brincadeira de Maria cega, por as mãos sobre os olhos e deixar tato e visão vagalumearem noções de tempo e espaço. Mapeá-la em lato senso e no discernimento degusta-la e encontrar sabor naquilo que é possível esmigalhar pelo palato estrelado em letrinhas. Morder a palavra e fazê-la ser digerida em bocadas simétricas, salivadas. Ritmar o ato de trituração e perceber nos vários cantos da boca, pelas glândulas leitoras, a causa primitiva sensitiva do texto saboreado. Ler como desfrute e aperitivo dos olhos e da boca em guloseima.
Não se poder ler somente pelo saber, pela necessidade simplista de ter amplo conhecimento enciclopédico acerca da realidade das coisas ou objetos lidos. O ato de ler é a descoberta do sabor, da impressão que se contém ou que se pode desempenhar sobre o sentido dos vocábulos, dos sinais, das ideias, das alegorias. A saída da cegueira e o enxergar a frente, o que se esconde nas entrelinhas e dá sentido, descobrir o encoberto e abrir portas e sair para outras realidades. Decodificar o símbolo e fazê-lo inserido dentro de dada realidade de compreensão no processo comunicativo.
No ato de ler é encontrada a leitura, ação deste ato para a libertação do ser aprisionado à falta de um norte mais amplo para a vida. A soberana vicissitude de condensar o que se quer dizer pelos sentidos corpóreos habilitados na condição de racional dada à raça humana. A remissão, a alforria da ignorância, o elo cativo construído e destinado à criação de asas e voar. Ir além de si e se entregar ao desconhecido e conhecer, passar a ter outras dimensões do signo, seja ele verbal ou não verbal.
Saber, sabor, leitura, felicidade, ingredientes necessários para a combinação da construção do ser leitor. Espectros materializados nas relações de compreensão interlocutora entre quem ler e a coisa lida. É preciso, pois pelo ato de ler se conceber sujeito da coisa lida através da construção de sentido feita a partir da apreensão da informação, do diálogo entre leitor e texto.
O ser leitor é o maior desafio da leitura e do ato de ler. Não aquele indivíduo funcional que enxerga a superfície e boceja e já acredita ter chegado à alma da pretensão de se comunicar simplesmente, mas sim aquele que vai as entrelinhas, percebe a intertextualidade e a possibilidade de diálogo do texto lido com outros textos, vai a fundo e na profundeza deságua no discurso e muda o percurso da coisa dita e dita novas possibilidades e concorda e discorda e recria, reinventa, reorganiza a ideia contida no objeto de comunicação decodificado na mensagem visualizada.
É preciso ler, só lendo é que o homem passa a entender o próprio homem e a manifestar essa leitura na vida e a modificar a vida e fazer vida entre as pessoas porque somente e tão somente por este ato é que nasceu a possibilidade do entendimento do homem, pelo ato de ler e de registar estes atos que a história sociocultural e histórica da humanidade pode ter sido contada, recontada e registrada para sempre.
O ato de ler redime o homem, faz dele muito mais que simplesmente matéria; pela leitura o homem é, sendo constrói a possibilidade de ser sempre e assim, além de, a medida que, também pode ser mais.
Leia, seja leitor de si, da vida e do mundo ao seu redor. Faça deste ato uma constante em sua vida. Não se feche a possibilidade de sentir emoção e com ela descobrir o desconhecido habitado por trás das palavras.